A Imagem de Deus no Homem

Gordon H. Clark, Ph.D*

Gordon H. Clark
16 min readJul 1, 2023

I. Os principais e mais explícitos Dados Bíblicos sobre o assunto são as seguintes passagens: Gênesis 1:26–27: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” etc.; Gênesis 5:1: “À semelhança de Deus o fez”; Gênesis 9:6: “Porque Deus fez o homem conforme a sua imagem”; I Coríntios 11:7: “O varão… é a imagem e glória de Deus”; Colossenses 3:10: “… que se renova para o conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou”; Tiago 3:9: “Homens feitos à semelhança de Deus”.

Além dessas referências explícitas à imagem de Deus no homem, há muitas passagens, talvez até mesmo algumas ainda não reconhecidas como tal, que têm alguma relação com o assunto. Hebreus 2:6–8, com seu apelo ao Salmo 8, e qualquer analogia que possa ser encontrada em outro lugar entre Cristo como a imagem de Deus (cf. Hb. 1:3) e a imagem no homem seriam tais passagens, úteis para desenvolver a doutrina. Atos 17:26–29 também tem implicações; por exemplo, com o apoio de Romanos 1:23 e outras passagens, ela dá a razão da proibição divina da idolatria. Quando, também, os filósofos empíricos negam ideias inatas, corrupção herdada, formas mentais a priori e enfatizam o ambiente excluindo a hereditariedade, Romanos 2:15 e Salmo 51:5 acentuam o contraste. Uma mente analítica descobrirá um grande número de versículos dos quais podem ser extraídas implicações pertinentes.

Paradoxalmente, existem alguns versículos que não fazem nenhuma referência, explícita ou implicitamente, à imagem de Deus, mas que por seu completo silêncio contribuem para a doutrina. Principalmente esse material está no primeiro capítulo do Gênesis, a respeito da criação dos animais. Estes não foram criados à imagem de Deus; o homem foi. Portanto, a característica da humanidade, distinta da mera animalidade, é de alguma forma encontrada na imagem divina. De todo o material bíblico, a doutrina deve ser derivada.

II. A doutrina da imagem de Deus tem sido estudada ao longo da história da teologia. Os romanistas finalmente chegaram a uma posição, a ser discutida mais tarde, que se originou em uma exegese fantasiosa e finalmente se afastou da Escritura. G. C. Berkouwer em seu Man: The Image of God (pp. 37ss. et passim) descreve o pedantismo frágil de alguns teólogos holandeses; e qualquer história substancial da doutrina relatará as complexidades da discussão. Agora, deve-se admitir — na verdade, deve-se enfatizar — que esta doutrina deve ser consistente com todo o sistema de teologia; e, portanto, uma vez que tem implicações para a doutrina do pecado, expiação, santificação, glorificação, complicações não podem ser evitadas. No entanto, uma compreensão substancial do assunto não é muito difícil, e os elementos básicos são bastante fáceis de entender. Portanto, a doutrina será agora brevemente exposta com um mínimo de defesa histórica e polêmica.

Deus criou o homem à sua imagem e semelhança. Esta imagem não pode ser o corpo do homem por duas razões. Primeiro, Deus é espírito ou mente e não tem corpo. Portanto, um corpo não seria uma imagem dele. Segundo, os animais têm corpos, mas não são criados à imagem de Deus. Se alguém sugerir que o homem caminha ereto, de modo que sua posição corporal possa ser a imagem, a resposta não é apenas que os pássaros também andam sobre duas pernas, mas que o Gênesis distingue o homem dos animais pela imagem e não por qualquer estrutura fisiológica. De fato, o próprio homem é a imagem, como I Coríntios 11:7 indica, apesar da antítese entre homem e mulher encontrada ali. Assim também as outras referências citadas no início. A imagem, portanto, não é um acessório a mais anexado ao homem depois de criado — nem um domum superadditum — nem uma roupa que ele possa tirar. É antes a pessoa unitária. Se o corpo deve ser de alguma forma incluído na noção de imagem, não pode ser o corpo como tal, pois Deus não tem corpo, mas o corpo apenas como controlado pelo espírito.

O homem não é duas imagens. Distinguir entre imagem e semelhança é uma exegese fantasiosa. Essa imagem única também não pode ser dividida em partes, como nossos dois braços ou duas pernas. Por exemplo, “dominai sobre os peixes do mar… e sobre a terra” não é um ingrediente extra misturado com outros. É um extra, ou melhor, é uma das funções da imagem única. O ponto é importante para o efeito do pecado na imagem. Não se deve supor que o pecado amputou uma parte e deixou um restante intocado. Da mesma forma, a Bíblia não deve ser interpretada como fazendo da moralidade e da inteligência as duas partes da imagem; e uma divisão ontológica entre a imagem natural e permanente versus a imagem moral e acidental, ou qualquer outra distinção supostamente acadêmica, mas na verdade vazia, é confusão. Sem dúvida a imagem, ou seja, o homem, desempenha diferentes funções, das quais o domínio sobre as aves do céu e sobre todos os répteis é uma delas. Essas funções, no entanto, somam mais de duas.

A razão pela qual os teólogos afirmaram uma dualidade da imagem, em vez da unidade da imagem e a pluralidade de suas atividades, a razão também pela qual Paulo indica algum tipo de dualidade ao mencionar a justiça em Efésios 4:24 e o conhecimento em Colossenses 3:10 é a ocorrência do pecado. Visto que Adão permaneceu Adão após a queda, parece que alguma “parte” da imagem sobreviveu; mas como também Adão perdeu sua inocência original e Caim cometeu assassinato, alguma “parte” da imagem não foi perdida? O homem não perdeu o domínio sobre os animais; ele também reteve alguns outros itens; mas em comparação com a mudança de sua relação com Deus, os animais são de menor importância e os outros itens requerem pouca discussão. O pecado, por outro lado, e seus efeitos são de tal importância e requerem menções tão frequentes que uma dualidade na imagem, metade da qual é perdida, aparece como uma interpretação natural. Tal separação ontológica de duas partes pareceu a muitos teólogos o melhor método de manter ambas as duas verdades: que o homem após a queda ainda é homem, e que o pecado está longe de ser trivial ou superficial.

Neste ponto da exposição é necessário esclarecer a segunda verdade por meio de um apelo à Escritura. Com relação à extensão e intensidade do pecado, Romanos 3:10–18 coleta uma série de declarações do Antigo Testamento, principalmente dos Salmos. “Não há justo, nem um sequer… não há ninguém que busque a Deus… Não há quem faça o bem… Não há temor de Deus diante de seus olhos”. Agora! Não há ninguém que faça algo de bom? “Não há nem um só”. Certamente não Stalin; certamente não os fariseus; mas também nem mesmo as pessoas obscuras comuns que não são tão brutais como um nem tão hipócritas como os outras. As passagens do Antigo Testamento incluem todos, e Romanos 8:7 indica o estado da natureza humana em geral, dizendo: “Porquanto a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser”. Os homens estão “mortos no pecado”, como o Novo Testamento diz várias vezes. Jeremias 17:9 [ARA] diz: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto”. Pode-se até admitir que Sigmund Freud tinha uma estimativa mais próxima da correta da maldade humana, da racionalização e da hipocrisia do que os romanistas semipelagianos; embora, é claro, ele não visse esse mal como uma ofensa a Deus.

Antes do dilúvio, “viu o SENHOR… que toda imaginação dos pensamentos [do] coração [do homem] era só má continuamente”. Após o dilúvio, ele disse: “Não tornarei mais a amaldiçoar a terra por causa do homem, porque a imaginação do coração do homem é má desde a sua meninice”. Possivelmente isso significa que não adianta enviar um segundo dilúvio porque as inundações não podem curar a raça humana; mas se esta não é a explicação correta da cláusula, ainda assim afirma que o coração do homem é mau desde a meninice. De fato, “em iniquidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe”.

Portanto, é impossível para o homem natural ou não regenerado agradar a Deus. Ele é incapaz de fazer qualquer bem espiritual. Até a lavoura dos ímpios é pecado: não que revirar o solo seja pecado, mas que a moralidade de um ato não pode ser julgada à parte de sua motivação, e a motivação dos ímpios é sempre perversa. O homem então é totalmente depravado. Totalmente não no sentido de que todo homem comete todos os pecados, nem que todo homem, ou qualquer homem, seja o mais perverso possível, mas no sentido de que todos os seus atos são maus e que nenhuma “parte”, função, ato ou estado escapa da corrupção do pecado. No entanto, se é assim, o homem ainda pode ser a imagem de Deus?

Sim, a imagem ainda está lá. Por mais paradoxal que possa parecer, o homem não poderia ser o pecador que é se ele ainda não fosse a imagem de Deus. Pecar pressupõe racionalidade e decisão voluntária. Os animais não podem pecar. O pecado, portanto, requer a imagem de Deus porque o homem é responsável por seus pecados. Se não houvesse responsabilidade, não poderia haver nada propriamente chamado de pecado. O pecado é uma ofensa contra Deus, e Deus nos chama a prestar contas. Se não fôssemos responsáveis ​​perante Deus, o arrependimento seria inútil e até sem sentido. A reprovação e o inferno também seriam impossíveis.

Mas se dissermos tudo isso, não nos amarramos em nós teológicos? Se reconhecemos que estamos mortos no pecado, não devemos afirmar que a imagem foi totalmente perdida (e então não poderíamos mais pecar), ou que a imagem tem partes e que a maioria de suas partes, ou pelo menos as partes mais importantes foram perdidas (destruindo assim a unidade da pessoa), ou finalmente devemos retratar a doutrina da depravação total e minimizar o pecado?

A solução desse paradoxo é muito fácil e muito clara. Notamos, por um lado, que Cristo é a imagem de Deus (Hb 1:3), e que ele é o Logos e a Sabedoria de Deus. Notamos também que Adão recebeu domínio sobre a natureza. Esses dois pontos, aparentemente não relacionados, sugerem que a imagem de Deus é a Lógica ou a racionalidade. Adão era superior aos animais porque era uma criação racional e não meramente sensorial. A imagem de Deus, portanto, é a razão.

A imagem deve ser a razão porque Deus é a verdade, e a comunhão com ele — um propósito muito importante na criação — requer pensamento e compreensão. Sem a razão, o homem sem dúvida glorificaria a Deus, assim como as estrelas, as pedras e os animais, mas não poderia desfrutá-lo para sempre. Mesmo que na providência de Deus os animais sobrevivam à morte e adornem o mundo futuro, eles não podem ter o que a Escritura chama de vida eterna porque a vida eterna é conhecer o único Deus verdadeiro, e o conhecimento é um exercício da mente ou da razão. Sem a razão não pode haver moralidade ou retidão: estas também requerem reflexão. Sem isso, os animais não são nem justos nem pecadores.

A identificação da imagem como razão explica ou é apoiada por uma observação intrigante em João 1:9: “Ali estava a luz verdadeira, que alumia a todo homem que vem ao mundo”. Como pode Cristo, em quem está a vida que é a luz dos homens, ser a luz de todo homem, quando as Escrituras ensinam que alguns homens estão perdidos nas trevas eternas? Esse quebra-cabeça surge da interpretação da luz em termos exclusivamente redentores. Se pensarmos também em termos de criação, o Logos ou Racionalidade de Deus, que logo acima foi dito ter criado todas as coisas sem uma única exceção, pode ser visto como tendo criado o homem com a luz da lógica como sua característica humana distintiva.

Por razões como essas, a queda e seus efeitos, que tanto intrigaram alguns teólogos ao estudarem a doutrina da imagem, são mais facilmente compreendidos pela identificação da imagem com a mente do homem.

Visto que os julgamentos morais são uma espécie de julgamento, subsumidos na atividade intelectual geral, um resultado da queda é a ocorrência de avaliações incorretas por meio do pensamento errôneo. Adão pensou, incorretamente, que seria melhor juntar-se a Eva em seu pecado do que obedecer a Deus e ser separado dela. Então ele comeu do fruto proibido. O ato externo seguiu-se ao pensamento. “Do coração procedem os maus pensamentos”. Observe que na Bíblia o termo coração costuma designar o intelecto, e apenas uma vez em cada dez as emoções: é o coração que pensa. O pecado, portanto, interfere em nosso pensamento. No entanto, não nos impede de pensar. O pecado não erradica nem aniquila a imagem. Causa um mau funcionamento, mas o homem continua sendo homem.

A Bíblia enfatiza o mau funcionamento da mente em assuntos obviamente morais por causa de sua importância. Mas o pecado estende sua influência depravadora a assuntos que geralmente não são considerados questões de moralidade — na aritmética, por exemplo. Não é preciso sustentar que Adão e Eva entendiam de cálculo; mas ele certamente contou até dez. Seja qual for a aritmética que ele fez, ele fez corretamente. Mas o pecado causa uma falha no pensamento, com o resultado de que agora cometemos erros na simples adição. Tais erros são pedantemente chamados de efeitos “noéticos” do pecado. Mas os erros morais são igualmente noéticos. Quando os homens se tornaram vaidosos em suas imaginações e seus corações tolos foram obscurecidos; quando eles professaram ser sábios, mas se tornaram tolos; quando Deus os entregou a uma mente reprovada — o pecado deles foi antes de tudo um mau funcionamento mental, intelectual e noético.

A regeneração e o processo de santificação invertem a direção pecaminosa do mau funcionamento: a pessoa é renovada em conhecimento segundo a imagem daquele que a criou. Em primeiro lugar, os pecados mais óbvios e grosseiros são suprimidos porque o novo homem começa a pensar e avaliar em conformidade com os preceitos de Deus. Em segundo e terceiro lugar, o novo homem avança para restringir os pecados mais sutis, mais secretos e mais penetrantes que tornaram seu coração enganoso acima da medida. Erros na aritmética podem parecer triviais em comparação, mas também são efeitos do pecado, e a salvação melhorará o pensamento de um homem em todos os assuntos.

A identificação da imagem como razão ou intelecto preserva assim a unidade da pessoa do homem e salva os teólogos de dividir a imagem em partes esquizofrênicas. Também está de acordo com tudo o que a Escritura diz sobre o pecado e a salvação. As questões que permanecem serão agora discutidas sob o título de oposição secular e diversidade teológica.

III. A oposição secular à imagem de Deus no homem só pode ser baseada em uma filosofia geral não teísta. A evolução vê o homem como um desenvolvimento natural do nêutron e do próton, passando pelos átomos, até as plantas, até os animais inferiores, até que talvez vários seres humanos tenham surgido na África, na Ásia e nas Índias Orientais. A evolução dificilmente pode afirmar a unidade da raça humana, pois vários indivíduos de espécies subumanas podem ter produzido mais ou menos simultaneamente a mesma variação.

Essa visão não teísta e naturalista é difícil de aceitar porque implica que a mente também, assim como o corpo, é um produto evolutivo e não uma imagem divina. Em vez de usar princípios eternos da lógica, a mente opera com os resultados práticos da adaptação biológica. Conceitos e proposições não alcançam a verdade nem sequer visam a ela. Nosso equipamento evoluiu através de uma luta para sobreviver. A razão é simplesmente o método humano de lidar com as coisas. É um dispositivo simplificador e, portanto, falsificador. Não há evidências de que nossas categorias correspondam à realidade. Mesmo que o fizessem, um acidente muito improvável, ninguém poderia saber; pois para saber que as leis da lógica são adequadas ao real existente, é necessário observar o real antes de usar as leis. Mas se isso já aconteceu com organismos subumanos, isso nunca acontece com o homem da espécie atual. Se agora o intelecto é produzido naturalmente, diferentes tipos de intelecto poderiam igualmente ser produzidos por processos evolutivos ligeiramente diferentes. Talvez tais mentes tenham sido produzidas, mas agora estão extintas como os dinossauros e os dodôs. Isso significa, porém, que os conceitos ou intuições de espaço e tempo, a lei da contradição, as regras de inferência não são critérios fixos e universais dea verdade, mas que outras raças pensavam em outros termos. Talvez as raças futuras também pensem em termos diferentes. John Dewey insistiu que a lógica já mudou e continuará a mudar. Se agora for esse o caso, nossa lógica tradicional é apenas um momento evolutivo passageiro, nossas teorias, dependentes dessa lógica, são reações temporárias, hábitos sociais paroquiais, e racionalizações freudianas; e, portanto, a teoria evolutiva, produzida por esses impulsos biológicos, não pode ser verdadeira.

A diferença entre naturalismo e teísmo — entre as últimas opiniões “científicas” sobre evolução e criação; entre o animal freudiano e a imagem de Deus; entre crença em Deus e ateísmo — baseia-se em suas duas epistemologias diferentes. O naturalismo professa aprender pela observação e análise da experiência; a visão teísta depende da revelação bíblica. Nenhuma quantidade de observação e análise pode provar a posição teísta. Claro, nenhuma quantidade de observação e análise pode provar a evolução ou qualquer outra teoria. Todas as filosofias seculares resultam em total ceticismo. Em contraste, o teísmo baseia seu conhecimento em proposições divinamente reveladas. Eles podem não nos dar toda a verdade; eles podem até nos dar muito pouca verdade; mas não há nenhuma verdade de outra forma. Lá se vai a alternativa secular.

4. A diversidade teológica em relação à imagem de Deus no homem caracteriza a história da igreja visível. Alguns exemplos devem bastar.

A Ortodoxia Oriental enfatiza a natureza racional do homem e insiste que o homem continua sendo homem após a queda. Até aí tudo bem. Mas o valor desta sólida posição é viciado pelo fracasso das igrejas orientais em reconhecer a extensão da queda e, portanto, sua incapacidade de ver a plena necessidade da graça. Alguns de seus teólogos brincam com uma analogia verbalmente agradável: assim como Deus se tornou homem, o homem se tornará Deus. Isso é semelhante à noção gnóstica de que a salvação é deificação. Em parte por causa disso, alguns protestantes muito conservadores reagiram contra a identificação da imagem como razão, acreditando que essa identificação implica uma visão superficial do pecado. A implicação, no entanto, é falaciosa e a reação extrema.

O romanismo ostenta outra aberração. Com a ajuda de uma exegese fantasiosa, sem dúvida inspirada nas tradições teológicas, os romanistas distinguem entre imagem e semelhança. A Escritura não pretende tal distinção, pois não apenas nada é feito dela no Novo Testamento, mas também Gênesis 1:27 usa apenas a palavra imagem e Gênesis 5:1 usa apenas semelhança, embora em cada caso toda a imagem seja pretendida. A motivação teológica tem conotações soteriológicas. A própria imagem é racionalidade, criada porque, quando e como o homem é criado. Mas então Deus deu ao homem um “dom extra” (donum superadditum), a saber, a justiça original. Quando o homem caiu, ele perdeu o dom extra e voltou ao nível de seu primeiro estado criado, que, portanto, permanece intacto pelo pecado. O resultado é que, embora o sacrifício de Cristo seja necessário para a salvação, não é suficiente. O homem, pelo exercício de seu livre-arbítrio, deve acrescentar aos méritos de Cristo alguns dos seus; e se um homem em particular não se envolve em boas obras suficientes, ele pode comprar alguns méritos do tesouro da igreja, que os santos acumularam fazendo mais do que era exigido deles.

Os luteranos se opunham violentamente à venda de indulgências, enfatizavam A Escravidão da Vontade e proclamavam a total suficiência da graça. Até agora tudo bem. Mas ao enfatizar o aspecto moral da imagem, eles praticamente negam o aspecto racional. Só isso deve ser incluído na imagem que se perdeu na queda. Isso novamente é uma reação exagerada, mas na direção oposta. Parte da linguagem desprotegida de Lutero quase poderia ser interpretada como significando que o homem não permanecia mais homem. Um teólogo calmo deve rejeitar isso com base nas passagens bíblicas discutidas acima, mas a oposição de Lutero ao mérito humano e a visão superficial de Roma sobre o pecado eram extremamente necessárias.

Karl Barth originalmente negou que Deus criou o homem à sua própria imagem. Deus era “totalmente Outro”. Não há semelhança alguma entre Deus e o homem. Mas se o conhecimento de Deus e nosso “conhecimento” não coincidem pelo menos em uma proposição, não podemos saber absolutamente nada sobre Deus. Por esta razão, a revelação não pode ser uma comunicação da verdade e, embora Barth esteja tremendamente interessado em teologia, é difícil encontrar qualquer motivação racional para isso na teologia dialética.

As publicações posteriores de Barth reconhecem uma imagem divina no homem. No entanto, ele continua veementemente negando que a imagem seja a racionalidade. Portanto, a teologia como conhecimento de Deus permanece impossível. Emil Brunner coloca isso talvez de forma ainda mais incisiva: não apenas palavras, mas seu próprio conteúdo conceitual tem apenas significado instrumental; Deus e o meio da conceitualidade são mutuamente exclusivos; de fato, Deus pode falar sua palavra ao homem mesmo através de falsas doutrinas. Estritamente, a neo-ortodoxia torna toda doutrina falsa.

A imagem de Barth revela-se sendo, de maneira notável, a distinção sexual entre homem e mulher. Uma vez que esta distinção ocorre também nos animais, é de se perguntar como pode ser a imagem que separa o homem da criação inferior. E como não há distinções sexuais na Divindade, alguém se pergunta como isso pode ser uma imagem de Deus.

G. C. Berkouwer, como indicado acima, escreveu um livro valioso sobre Man: The Image of God [O Homem: A Imagem de Deus]. Ao se opor a uma tendência de definir a imagem em termos “ônticos” ou “ontológicos” — e presumivelmente a afirmação de que o próprio homem, a criatura racional, é a imagem, é uma definição ôntica ou ontológica — Berkouwer diz: “Este homem, este homem pecador, não é referido na Escritura em termos de suas qualidades ontológicas, mas em termos de sua perda e culpa” (pp. 63–64). Esta afirmação, no entanto, não é precisa. Claro, a Escritura enfatiza o pecado e a culpa do homem. Mas a Escritura também se refere ao entendimento e à razão do homem. Alguém imediatamente pensa no Salmo 32:9: “Não sejais como o cavalo, nem como a mula, que não têm entendimento”. Provavelmente a referência à consciência em Romanos 2:15 também é apropriada. Mas a evidência maciça é todo o funcionamento das mentes dos homens descritos de Gênesis a Apocalipse. Sem uma mente “ontológica”, simplesmente sem uma mente, o homem não poderia fazer todas as coisas registradas sobre ele.

A ênfase na imagem “mais ampla” também não leva ao pelagianismo, como sugere Berkouwer no parágrafo seguinte. Ele sugere, ou pelo menos relata (pois é difícil ter certeza de quanto do argumento Berkouwer aceita para si mesmo) que a admissão até mesmo de resquícios remanescentes após a queda é um caso de o homem desculpar seu pecado e depravação. Então ele estranhamente conecta isso com “idealismo”, como se um realista também não pudesse se desculpar.

Mas o argumento é fraco. Como, por exemplo, um homem poderia desculpar-se do pecado com base no fato de ser uma criatura racional? Seria mais fácil desculpar o pecado se o agente não fosse racional. O termo remanescentes que Berkouwer usa pode desfigurar a doutrina basicamente ortodoxa através da expressão materialista; mas se não houvesse “remanescentes”, se a imagem tivesse sido apagada, não poderia haver responsabilidade presente.

Em conclusão, portanto, pode-se dizer que o material bíblico é corretamente resumido ao identificar a característica distintiva do homem como razão. O pecado causou seu mau funcionamento. A redenção renovará os homens no conhecimento (justiça e santidade) segundo a imagem daquele que o criou. Então, no céu, não cometeremos erros nem mesmo em aritmética.

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* Professor de Filosofia, Butler University, Indianápolis, Indiana. Este artigo será publicado na The Encyclopedia of Christianity, vol. III.

— Gordon H. Clark. The Image of God in Man. JETS — Jornal of the Evangelical Theological Society, 12, n° 4, 1969, pp. 215–222. Tradução: Luan Tavares (01/07/2023).

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A menos que haja outra indicação, todas as versões bíblicas usadas nesta tradução pertencem à Almeida Revista e Corrigida — ARC © 2009 Sociedade Bíblica do Brasil.

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Written by Gordon H. Clark

Gordon Haddon Clark (1902–1985) foi um teólogo, filósofo e apologista pressuposicional. “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade.” (João 17:17)

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