Causalidade e Causação
Gordon H. Clark

Porque o empirismo apela a muitos pontos subsidiários, a defesa e promulgação do agostinianismo pode, e realmente deve, considerar uma série de detalhes. Eles não são insignificantes. Um deles é uma teoria de causalidade. O argumento cosmológico, de uma maneira mais óbvia nos anos posteriores do que nos primeiros, utiliza o conceito de causa. O público geral constantemente fala sobre causas e efeitos. David Hume disse que essas coisas não existem. Kant replicou: Ah sim, elas existem. Aristóteles e Aquino tinham quatro causas; isto é, definiam causa de quatro maneiras, nenhuma das quais sendo o significado que fora dado à palavra por Hume, Kant e os primeiros cientistas modernos. Exceto para os católico-romanos, as quatro causas de Aristóteles não têm lugar no pensamento contemporâneo. Os apologistas evangélicos atuais usam o termo causa, geralmente sem indicar pelo que substituíram as quatro causas de Aristóteles. Se conhecem o significado de Kant para o termo, devem rejeitá-lo, pois é inconsistente com o empirismo deles. Mas visto que usualmente se recusam a definir o termo, a prova cosmológica que oferecem é ininteligível.
A dificuldade pode ser exemplificada notando que esses apologistas querem dizer que Deus é a causa do mundo e a rotação da Terra é a causa do nascer do sol. Mas isso é uma confusão total. As causas de Kant eram estritamente limitadas a uma sucessão de eventos sensorialmente observados. Mas Deus não pode ser a causa do mundo, pois Deus não é um evento temporal anterior. E perfeitamente claro, portanto, que o apologista cristão empírico está na obrigação de definir causalidade. Há somente um tipo de causação, ou há dois ou quatro? E no que ela, ou eles, precisamente consiste?
Com base em princípios empíricos, o bispo Berkeley havia refutado a noção de causalidade como então entendida por Locke e os cientistas; mas de alguma forma Hume recebeu o crédito. Ele argumentou que a grande familiaridade com uma sequência repetida de eventos nos engana, fazendo-nos pensar que poderíamos ter suposto os efeitos a partir das suas causas. Nós imaginamos que, sem experiência, podemos inferir que o impacto de uma bola de bilhar comunicaria movimento a uma segunda bola; ou que uma pedra elevada à certa altura e deixada sem suporte cairia. Mas sem experiência poderíamos muito bem supor que a segunda bola de bilhar pararia a primeira ou que a pedra “cairia” para cima.
Ora, visto que todo efeito é um evento ou sensação distinto da sua causa, qualquer conexão a priori entre eles deve ser puramente arbitrária. Neste ponto o apologista empírico dirá: “E daí? Nós aprendemos as causas pela experiência”. Mas a ciência jamais pode mostrar a ação desse poder como produzindo qualquer simples efeito no Universo. A experiência na melhor das hipóteses nos ensina que um evento segue outro. Ela jamais mostra que um causa o outro. A experiência dá sequência, não causalidade. “O princípio” pelo qual os homens são determinados a traçar uma conclusão causal
é o hábito ou costume. Pois sempre que a repetição de algum ato ou operação particulares produz uma propensão a realizar novamente esse mesmo ato ou operação, sem que se esteja sendo impelido por nenhum raciocínio ou processo do entendimento, dizemos invariavelmente que essa propensão é o efeito do hábito. Não pretendemos ter fornecido, com o emprego dessa palavra, a razão última de uma tal propensão.¹
É interessante notar que, enquanto Hume negava todos os milagres, houve um muçulmano medieval que previu os argumentos de Hume contra a causalidade e concluiu que todo evento é um milagre. Uma vez que nenhuma sensação pode ser a causa de outra sensação, todo evento é imediatamente causado por Deus. Mas aqui, inequivocamente, o termo causa não pode ter o significado científico do século XVIII.
A ciência do século XX, porém, não tem espaço para a causalidade. As leis da física são equações diferenciais que supostamente descrevem o movimento de algum objeto. Não existe nenhuma gravidade que faça uma pedra cair. Mas é assumido que pedras caem, não em linha reta, mas num arco de elipse; e embora o cálculo que substituiu a aritmética simples de Galileu não possa explicar como um corpo começa a cair — sombras de Zenão — , a equação descreve de forma mais ou menos precisa seu caminho após a queda ter começado.
Visto que a maioria dos apologistas previamente mencionados não são cientistas calculistas, pode ser útil definir causa em termos coloquiais e concluir que não existe tal coisa. Se os apologistas não gostam do argumento e da sua conclusão, rogamos que eles digam ao mundo o que querem dizer com causalidade. Se tiverem sucesso nisso, poderão então seguir para reconstruir o argumento cosmológico.
Em primeiro lugar, causalidade é um termo relativo. Isto é, não pode haver causa sem que haja um efeito. Dizemos que X causa Y. Omita qualquer um deles e não haverá nem causa, nem efeito. Algumas causas e efeitos podem parecer simultâneos; a rotação da Terra continua enquanto o Sol está nascendo. Mas, é claro, a Terra tinha de estar girando previamente. Da mesma forma, quando o rebatedor substituto de baseball faz um home run,² está movimentando seu bastão antes de a bola começar sua trajetória sobre o muro de outdoor na área direita. Assim, quando X causa Y, esses dois eventos distintos estão separados por um intervalo de tempo. Levou uma semana ou dez dias para que o assassinato do arquiduque causasse a Primeira Guerra Mundial. A bala que o matou precedeu sua morte por talvez apenas um minuto. De qualquer modo, causa e efeito são dois eventos temporalmente distintos.
Em segundo lugar, entre o disparo da bala e a morte do arquiduque várias coisas poderiam ter acontecido, e de fato aconteceram. Sua esposa, não esperando a morte dele, sorria para a multidão na rua. Então, entre o assassinato e a invasão da Bélgica pela Alemanha, todo tipo de coisas também ocorreu na China e na Europa. Durante a intervalo, Lord Grey e o Kaiser poderiam ter evitado a guerra, e nesse caso a morte do arquiduque não teria sido a causa que foi. Claro, os historiadores insistem em dizer que a verdadeira causa da guerra foi o complexo de tratados desenvolvidos no decurso de anos. Mas isso apenas aumenta o intervalo de tempo durante o qual a guerra poderia ter sido evitada.
Agora, em terceiro lugar, o argumento requer uma definição do termo causa. Visto que os defensores do argumento cosmológico não nos favorecem com uma, deve ser feita uma tentativa de supor qual opinião comum eles trazem de maneira confusa em mente. Visto que, para ser uma causa, um evento deve ter um efeito, a causa deve ser um evento que garanta o efeito. Dada uma causa, deve haver um efeito. Deve porque a causa deve produzir seu resultado. Se no intervalo de tempo acontece ou mesmo poderia acontecer algo para impedir o efeito, não há causa.
Para concluir, em quarto lugar, é sempre possível que durante o intervalo de tempo um evento impeça aquele evento, que foi previamente chamado de efeito, de ocorrer. Lord Grey é um exemplo. A bola de baseball poderia se partir ao meio. Ou, se sugerirmos que o alimento é a causa da nutrição, quem come pode vomitar se ocorrer de estar rebatendo no campo de baseball. Ou, no contexto do século XX, uma bomba atômica poderia interferir. E quanto ao nascer-do-sol, que o oponente rapidamente menciona, nossa Estrela poderia explodir ou a Terra, desintegrar. Se o oponente é um cristão verdadeiro, terá de admitir a possibilidade de que Deus possa destruir no intervalo os céus e a Terra com fogo ardente, deixando de existir.
Se esse argumento não fizer o apologista dar o braço a torcer, ele provavelmente virá com duas objeções. Primeiro, mas ilogicamente, ele dirá: “Mas eu quis dizer que X causa Y se nada intervir”. Dito assim, sem rodeios, a falácia é flagrante. No entanto, ela pode ser declarada mais veladamente. O alimento nos nutre se não sentimos enjoo, se o estômago termina sua função, se os sucos são absorvidos no sangue e se o sangue é levado aos músculos. Mas note bem: nós não temos mais dois eventos, X e Y. Temos a definição de nutrição; e certamente é lógico insistir que se estamos nutridos, segue-se logicamente, mas não temporalmente, que estamos nutridos.
A segunda réplica que o apologista provavelmente dará é que um cristão como eu deve reconhecer que Deus causa todas as coisas. De fato, isso é algo que eu certamente reconheço; mas o significado do termo causa foi drasticamente mudado. Nós começamos falando sobre dois eventos no mundo espaço-temporal: o rebatedor causou ou fez a bola passar por cima do muro, mastigar comida na boca causa a nutrição, uma bala causou a morte do arquiduque. Mas agora o apologista empírico começa a falar de Deus causando todas as coisas. Nós agora concordamos com o antiaristotélico islâmico Algazali:³ Deus e somente Deus é a causa, pois só Deus pode garantir a ocorrência de Y e, de fato, também de X. Até mesmo os teólogos de Westminster timidamente concordaram com isso, pois após afirmarem que Deus preordena tudo o que acontece e que “nenhum dos teus planos pode ser frustrado” (Jó 42.2), acrescentaram: “Posto que… todas as coisas acontecem imutável e infalivelmente, contudo, pela mesma providência. Deus ordena que elas sucedam… conforme a natureza das causas secundárias”.⁴ O que eles chamam de causas secundárias Malebranche chamou de ocasiões. Mas uma ocasião não é nem um fiat lux, nem uma equação diferencial.
Por fim, visto que todas as leis da física são falsas — como a sua história demonstra — e visto que a Escritura não ensina o mecanicismo, mas afirma que o mundo é governado teleologicamente por propósitos que não podem ser controlados nem entendidos, como René Descartes deixou claro, o empirismo, com seu argumento cosmológico, deve ser abandonado.
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¹ Hume, D., Uma investigação sobre o entendimento humano (São Paulo: UNESP, 1999), p. 64.
² Rebatida na qual o rebatedor é capaz de circular todas as bases, terminando na casa base e anotando uma corrida, com nenhum erro cometido pelo time defensivo na jogada que resultou no batedor-corredor avançando bases extras. [N. do T.]
³ Abul Amide Maomé ibne Maomé Algazali; foi um teólogo islâmico, jurista, filósofo, cosmólogo, psicólogo e místico de origem persa. [N. do T.]
⁴ Confissão de fé de Westminster, Cap. 5.2.
— Gordon H. Clark. Senhor Deus da Verdade. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2018, pp. 47–52.