Como Aprendemos?
Gordon H. Clark

Durante a segunda metade do século XX, vários apologistas — a maioria deles ortodoxos — tentaram desenvolver um teísmo baseado na experiência sensorial. Alguns deles estão satisfeitos com um argumento cosmológico tomista para a existência de Deus sem produzir explicitamente uma epistemologia empírica completa. Outros parecem satisfeitos com menos ainda: às vezes chamados de evidencialistas, eles tentaram provar a verdade da Bíblia por meio de descobertas arqueológicas. Um, pelo menos, está principalmente interessado em história. Alguns avançam um pouco na epistemologia, mas geralmente — eu poderia dizer sempre — ignoram questões básicas, como a produção de ideias abstratas a partir de imagens da memória. Exemplos desses grupos um tanto variados são Stuart C. Hackett em seu The Resurrection of Theism; Gordon R. Lewis em seu Testing Christianity’s Truth Claims; e várias obras de John Warwick Montgomery, Clark Pinnock e R. C. Sproul. Há diferenças entre eles, é claro. Alguns são mais explícitos do que outros. Alguns são mais consistentes do que outros. Mas, em geral, são empiristas, negando formas a priori da mente e baseando implicitamente todo conhecimento na sensação.
Empirismo
Essa visão tem uma longa e ilustre história. Começou com Aristóteles, de quem Tomás de Aquino derivou seus princípios básicos; John Locke tinha uma versão ligeiramente diferente, que Augustus Toplady infelizmente aceitou; mais John Gill e, com algumas modificações, Charles Hodge e B. B. Warfield. Provavelmente por causa dos dois últimos, a visão platônica ou agostiniana tem sido frequentemente desaprovada. Os luteranos também, como por exemplo Leander S. Keyser, foram geralmente aristotélicos. Mas nem todos. Dorner em seu A System of Christian Doctrine (Edimburgo, 1881, Vol. II, 82) afirma que “a alma nunca é uma mera tabula rasa… existe nela um mundo do inconsciente. Se em nosso conhecimento já não existe uma relação inata com o que é racional e bom — uma relação que é um dote original de nossa natureza e não de nosso próprio trabalho — então o conhecimento da verdade e do bem como tal está absolutamente fora de questão”. Esta é uma declaração que vale a pena ler uma segunda vez.
Se mais documentação luterana for desejada, encontraremos um ponto de vista menos explícito e sem dúvida diferente em Christian Dogmatics, de Francis Pieper (Editora Concordia, 1950). Na seção intitulada “O Homem Antes da Queda”, ele concorda que “imagem e semelhança são sinônimos”, citando os versículos aqui citados. Embora usando uma linguagem ligeiramente diferente, ele também aceita o conhecimento e a justiça como seus componentes. Mas certamente ele exagera a extensão do conhecimento de Adão quando diz que Adão “tinha tal compreensão das ciências naturais que é inatingível hoje mesmo pelo estudo mais diligente” (I, 517). Adão realmente previu as recentes descobertas perturbadoras sobre os anéis de Saturno? Ou a implantação de um coração mecânico em um ser humano? Além dessas imaginações, a dificuldade básica, do ponto de vista desta discussão, é que Pieper parece não ter interesse no problema epistemológico e, portanto, simplesmente o evita.
John Theodore Mueller, em sua Christian Dogmatics, emula seu predecessor luterano. Ele é um pouco mais explícito do que Pieper e continua exagerando o conhecimento de Adão. A diferença é que todo o conhecimento científico de Adão é retratado como a priori. Perturbado pela evolução, ele escreveu: “A visão evolucionista, segundo a qual o homem era originalmente um animal, sem a faculdade de falar… é, portanto, antiescriturístico…. Além dos perfeitos dons morais, o homem foi abençoado também com grandes dons intelectuais, de modo que ele possuía… um conhecimento intuitivo das criaturas de Deus [ciência] como nenhum cientista após a Queda jamais alcançou” (206). Observe que, enquanto Pieper simplesmente atribuiu a Adão o mesmo conhecimento extensivo, Mueller acrescenta que esse conhecimento era “intuitivo”. Se o conhecimento correto de Adão sobre a velocidade da luz não era empírico, mas intuitivo, o termo intuitivo parece significar a priori. Em qualquer caso, nenhum conhecimento tão extenso é atribuído a Adão nos versículos bíblicos que Mueller cita, ou seja, Gênesis 2:19–20, 23–24. Nenhum dos dois escritores é suficientemente claro, mas a frase “grandes dons intelectuais” e a palavra “intuitivo” favorecem o apriorismo muito mais do que o empirismo.
Infelizmente, porém, Mueller já havia aprovado o argumento cosmológico para a existência de Deus (143), como Pieper também havia feito antes dele. Os dois autores carecem de consistência. Nenhum deles parece interessado no presente problema, nem é tão claro quanto Dorner.
Dorner rejeitou a mente em branco. Até mesmo alguns católicos romanos, alguns séculos atrás, defendiam o apriorismo: Descartes, Malebranche, Pascal e os jansenistas. Mas toda a sagacidade de Pascal não os salvou dos jesuítas.
A Escritura Refuta o Empirismo
Ora, parece-me que mesmo o escasso material de Gênesis é suficiente para refutar o empirismo com sua mente vazia. Primeiro, já que Deus é um Deus de conhecimento, eternamente onisciente, como poderia um ser declarado ser sua imagem e semelhança ser uma mente vazia? Mesmo à parte das declarações explícitas no Novo Testamento, Gênesis diz que Deus ordenou a Adão e Eva que frutificassem e se multiplicassem. Como naquela época eles não tinham experiência sensorial com outras pessoas, não deveriam ter alguma inteligência inata para entender esse comando? Claro, um empirista pode insistir que eles aprenderam o significado observando os animais. Mas isso pressupõe que um período de tempo razoável interveio entre a criação de Adão e a imposição da obrigação por Deus. Pode-se supor melhor que Deus deu instruções a Adão mais imediatamente. Isso é obviamente verdadeiro em Gênesis 2:16-17. A ordem foi dada apenas momentos depois da criação. É claro que tal comando não era um conhecimento a priori, mas o equipamento intelectual para entendê-lo sim.
Há mais também. Adão não apenas entendeu o comando: ele entendeu que foi Deus quem o deu. Devemos acreditar que ele elaborou laboriosamente o argumento cosmológico, incluindo a física que o fundamenta? E ele derivou o conceito de responsabilidade moral de suas sensações? Embora o relato seja breve, parece que Adão sabia que era obrigado a adorar a Deus e obedecê-lo. Mas o argumento cosmológico do empirismo é superado em suas falácias pela impossibilidade de deduzir avaliações morais de premissas factuais, mesmo que essas premissas sejam verdadeiras. Se um empirista insiste que o relato de Gênesis é muito breve para apoiar tal interpretação, podemos pelo menos confiar nas epístolas paulinas. Gênesis não é o único livro da Bíblia.
Um ponto subsidiário é o medo de punição de Caim depois de ter assassinado Abel. Evidentemente, Deus deu a Adão e seus filhos o que chamamos de sexto mandamento. Eles devem ter reconhecido isso como um imperativo moral. Mas é possível desenvolver a ideia de um imperativo moral observando as árvores crescerem em um jardim? Observe o ponto: o mandamento em si pode não ter sido inato, mas a ideia de moralidade deve ter sido ou a importância do mandamento não poderia ter sido compreendida. A sensação, na melhor das hipóteses, pode fornecer alguma informação factual; mas, embora isso seja conhecimento do que é, o empirismo nunca pode produzir conhecimento do que deve ser.
Proposições Universais
Subjacente a todos esses detalhes tanto da física quanto da moralidade está a necessidade de proposições universais. Não apenas o assassinato e a idolatria são errados, mas as leis da física são aplicadas universalmente. Eles não deveriam ter nenhuma exceção. A física é o exemplo mais claro. A lei do pêndulo, para dar um exemplo elementar, é que o período da oscilação é proporcional à raiz quadrada do comprimento. A lei afirma que isso é verdade para todos os pêndulos, todos os que existem agora, todos os que existiram no passado e todos os que existirão no futuro. A lei é uma proposição universal; ou seja, não tem exceções. Claramente esta lei não pode ter sido deduzida da experiência ou observação, pois ninguém observou todos os pêndulos atuais ou todos os pêndulos passados, e ninguém observou quaisquer pêndulos futuros. Portanto, o empirismo nunca pode justificar nenhuma lei da física. Se, agora, a experiência sensorial não pode justificar o conhecimento dos fenômenos naturais, como poderia ser útil para a teologia? Os princípios da teologia são todos proposições universais. É claro que a teologia inclui certas declarações históricas como “Davi era rei de Israel”, e isso não parece ser universal. Na verdade é, pois Davi, como sujeito, é uma classe própria, e toda essa classe é um rei de Israel. Mas, além das proposições com sujeitos individuais, os princípios da teologia — que dão sentido aos eventos históricos — são declarações universais simples e comuns. Eles não podem, portanto, ser baseados na observação. Aliás, Deus não pode ser observado.
As Leis da Lógica
Além do fracasso do empirismo devido às proposições universais, há um fator ainda mais fundamental. Toda afirmação, mesmo que particular, depende da lei da contradição. Verdade e erro são incompatíveis. Se todos os marhoucals são rhinosaps, não pode haver um único marhoucal que não seja um rhinosap.¹ Não precisamos inspecionar o número infinito destes últimos para nos assegurarmos de que nenhum deles pode ser encontrado. Dada a premissa, não precisamos examinar nem mesmo um. Que O ab não pode ser deduzido de A ab é uma necessidade da lógica. E se nossas mentes não forem construídas dessa forma, nunca poderemos distinguir a verdade do erro. Mas o empirismo não fornece necessidade, nem universalidade, nem tudo, nem nada.
De fato, também não fornece algum. Quer a forma lógica seja universal ou particular, a proposição deve ter um termo sujeito. Todos os cães são vertebrados; alguns cães são pretos. Suponha agora que o termo sujeito, cães, tenha cinco significados. Isso não é incomum para palavras em inglês. Consulte o Merriam-Webster’s Unabridged Dictionary. Procure as palavras fast [rápido, jejum], curb [meio-fio], domestic [doméstico], race [raça, corrida], land [terra] — para não mencionar love [amor], emotion [emoção], grace [graça], religion [religião] e virtue [virtude]. Cada um terá possivelmente quatro, cinco e às vezes seis significados diferentes. Isso frequentemente introduz considerável ambiguidade, resultando em um argumento que, sendo aparentemente lógico, é na verdade falacioso. A falácia pode ser evitada, às vezes com um pouco de dificuldade, especificando o significado um, o significado dois e o significado três. Mas há um problema mais profundo. Suponha que uma determinada palavra tenha um número infinito de significados. A palavra rápido significaria então cada palavra no dicionário do artigo “a” a “zyzzogetan”, mais um número inimaginavelmente maior. “Rápido rápido rápido rápido” significaria “Hoje é a última terça-feira” e “Washington descobriu a América em 1066”. Ou seja, uma palavra que significa tudo não significa nada. Mas isso que é tão óbvio não poderia ser deduzido de um número finito de observações. É um princípio que deve ser aceito mesmo antes que o termo “observação” possa ter qualquer significado. Portanto, o uso de qualquer palavra isolada em uma frase inteligível depende de um pricípio a priori. Nenhuma mente em branco jamais poderia descobrir esse princípio. Pode-se formular o princípio como “uma palavra, para significar algo, também não deve significar algo”; ou “se uma palavra significa tudo, não significa nada”. Como a lei da contradição, é uma forma de manter a distinção entre verdade e falsidade. E esta distinção é o elemento básico na imagem de Deus.
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¹ Nota do Tradutor: If all marhoucals are rhinosaps, there cannot be a single marhoucal that is not a rhinosap, sem um equivalente em português.
— Gordon H. Clark. How Do We Learn? The Trinity Review, novembro/dezembro de 1983. Tradução: Luan Tavares (02/07/2023).