Criação e Evolução
Gordon H. Clark

Deus criou o homem, os homens, a raça humana, assim como também criou o sistema solar e a areia do mar. Nem é preciso mencionar que a Bíblia ensina uma filosofia teísta. Mas, embora igualmente criado, o homem difere do mar e do sistema solar em natureza e importância. O universo físico é apenas um pano de fundo ou cenário para a Divina Comédia em que o homem é o ator principal. No sentido mais amplo, Deus é o autor e ator principal. Mas dentre as coisas criadas, quando a história é considerada como o drama da redenção, o homem desempenha o papel principal. Algumas pessoas, chamadas cientistas, fazem um estudo legítimo do cenário do palco com seus arranjos de iluminação, mas “a peça é a coisa”.¹
Ora, em primeiro lugar, a Bíblia definitivamente afirma que o homem foi criado.
Gênesis 1.27 (ARC): “E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou”.
Gênesis 2.21–23 (ARC): “Então, o SENHOR Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, e este adormeceu; e tomou uma das suas costelas e… formou uma mulher… E disse Adão: Esta é agora osso dos meus ossos… será chamada varoa”.
Atos 17.26: “Deus… de um só [homem] fez toda a raça humana”.
Adão foi criado como um adulto crescido. Eva foi milagrosamente tirada de seu lado. E a raça humana descendeu desse par.
Por mais breve que a declaração acima seja, ela é suficiente para mostrar que a Bíblia atribui a origem do homem ao comando de Deus. Mas nem todo mundo acredita na Bíblia. Pelas notícias veiculadas na mídia pública, fica-se facilmente com a impressão de que só uma pequena e ignorante minoria da população acredita na Bíblia. O presente estudo visa a explicar a posição bíblica. Mas, até certo ponto, também precisa defender essa posição contra os ataques de seus adversários. Mas apenas até certo ponto, pois os problemas envolvidos se estendem às maiores profundezas da filosofia, onde muitas gemas do mais puro raio sereno são levadas para desperdiçar sua fragrância no ar do deserto.
Ao longo do século XX, o ataque mais vigoroso à criação divina do homem foi a teoria da evolução. Nos Estados Unidos, seus expoentes obtiveram a coerção governamental de seu ensino e a proibição governamental da visão teísta. Talvez isso seja um indicativo da fraqueza intelectual da teoria evolucionista. Os estudiosos costumavam insistir na liberdade de pensamento e expressão. Hoje, os educadores organizados usam a força legal para proibir a visão de que não gostam. Esse método de repressão legal pode ser subconscientemente apoiado pela suspeita de que as teorias científicas são apenas provisórias. Na física, a síntese newtoniana foi abandonada. Pode-se dizer que na biologia o darwinismo não é universalmente aceito. E que novas teorias o século XXI verá, ninguém pode adivinhar. Os evolucionistas devem se valer de restrições políticas.
Há alguns apartes interessantes nessa batalha pela liberdade religiosa e liberdade acadêmica. Embora existam diagramas pictóricos da descendência do homem, com o homem de Piltdown apagado, os evolucionistas não produziram uma genealogia botânica semelhante, embora isso devesse preceder a zoologia. Além disso, há uma aberração sociológica. Os liberais religiosos reagem fortemente contra qualquer coisa, por inocente que seja, que remotamente se assemelhe ao que chamam de racismo. O esteio de sua religião é a Paternidade de Deus e a Irmandade do Homem. Mas é a doutrina bíblica da criação que torna todos os homens irmãos naturais. Isso é algo que a evolução não pode fazer. A evolução permite que os homens tenham evoluído em vários lugares em várias ocasiões. Deste modo, a ciência dos liberais entra em conflito com a sua religião. E sua religião também não pode ser recomendada porque torna Stálin e Hitler irmãos espirituais do apóstolo Paulo.
Uma palavra adicional sobre o homem de Piltdown mostrará como a teoria da evolução corrompe o processo científico. Alguém na Inglaterra plantou uma farsa onde sabia que logo seriam feitas escavações. Ele usou produtos químicos para envelhecer o dente de um macaco e enterrou-o. Quando os escavadores o encontraram, cartunistas cientistas ampliaram-no com mandíbulas, cabelos, pernas, tronco e chamaram-no de homem de Piltdown. Museus o exibiram a visitantes perplexos. Havia, contudo, poucos, bem poucos cientistas de renome que estavam cautelosos e céticos. Mas tão grande era a sua submissão à teoria da evolução que eles finalmente capitularam à opinião da maioria. Quase meio século depois, foi descoberta a desonestidade do perpetrador e a imaginação desinibida dos reconstrutores. Durante todo esse tempo, o homem de Piltdown foi um item padrão de prova evolutiva nos cursos de zoologia das faculdades.
Que a Bíblia tem uma visão teísta amplamente diferente da biologia contemporânea já está claro nos poucos versículos citados acima. Eles ensinam que a raça humana é uma raça que descendeu precisamente de dois seres humanos. Mas a negação mais evidente que a Bíblia faz da evolução é a segunda citação, Gênesis 2.21, sobre a criação ou formação da mulher. Não está claro se a evolução deve sustentar que o primeiro ser humano foi um macho ou uma fêmea; e seria exagerar na credulidade supor que um par sempre evoluiu ao mesmo tempo e no mesmo lugar. Mas Eva não foi um produto evolutivo. Ela não apareceu da maneira usual. A chamada lei natural não cobre o seu caso. Por conseguinte, as formas usuais de evolução, mesmo com ocasionais modificações teístas, não podem ser harmonizadas com o cristianismo, pois o cristianismo ensina a criação.
Nesse debate científico, deve-se pressionar os biólogos e os tribunais federais sobre o que a maioria dos professores de física sabe tão bem: a saber, que a ciência não é fixa, mas provisória. Costumava haver um éter universal pelo qual as ondas de luz eram propagadas. Mas há uns bons noventa anos o éter evaporou. O resultado foi que a luz se tornou e permanece sendo até hoje “partículas-ondas” autocontraditórias. O atomismo explodiu teoricamente em 1905 e visivelmente na Segunda Guerra Mundial. A lei newtoniana da gravitação, supostamente descrevendo o movimento de todos os corpos e explicando a distribuição dos planetas e estrelas, prevaleceu por dois séculos. Mas agora nenhuma das leis newtonianas permanece. Até mesmo a primeira lei do movimento retilíneo se foi, pois não há método científico que possa determinar uma linha reta. Leis subsidiárias, como a teoria do calor, haviam mudado antes. Mas os evolucionistas, particularmente na área da educação, acreditam cegamente que a sua visão é imutavelmente verdadeira.
Por causa do trabalho atual do Instituto de Pesquisa da Criação (ICR, em inglês) e dos processos judiciais relativos à imposição legal de uma visão particular às crianças em idade escolar, muitos cristãos estão começando a entender que não apenas a ação legal, mas também o estudo científico é uma preocupação necessária. Alguns percebem que os cristãos devem levar em conta a física, assim como a zoologia e a geologia. Mas muitos não veem sentido em estudar filosofia. Todavia, a natureza do homem está sujeita tanto à psicologia quanto à filosofia. Os primeiros pais cristãos que formularam nossas doutrinas básicas adotaram, modificaram ou negaram as visões de Platão, Crísipo e Filo. Nos tempos modernos, vários teólogos ortodoxos utilizam as visões de Descartes, Locke ou Kant sem perceber às vezes o que estão fazendo. O resultado geralmente tem sido alguma distorção, grande ou pequena, tanto da Bíblia quanto do filósofo. O cientista secular diz que a teologia atrapalha a ciência; mas muitas vezes os cristãos atrapalham a teologia ao imporem sobre a Bíblia as teorias científicas vigentes. A melhor maneira de evitar esse erro é conhecer os vários sistemas não cristãos. Só então podemos estar seguros de que teorias alheias não contaminaram a teologia. Em um estudo da Bíblia, portanto, a zoologia, a física e a filosofia também requerem uma discussão.
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¹ No inglês, “the play’s the thing”, alusão ao ato II da cena II de Hamlet de Shakespeare. [N. do T.]
— Gordon H. Clark. A Doutrina Bíblica do Homem. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2022, p. 13–17.