Deus e a Lógica

Gordon H. Clark

Gordon H. Clark
18 min readJun 16, 2023

Ao pensar em Deus, os calvinistas quase imediatamente repetem o Breve Catecismo e dizem: “Deus é espírito, infinito, eterno e imutável”. Talvez não paremos para esclarecer nossas ideias de espírito, mas nos apressemos para os atributos de “sabedoria, santidade, justiça, bondade e verdade”. Mas faça uma pausa: Espírito, Sabedoria, Verdade. O Salmo 31:5 se dirige a Deus como “SENHOR Deus da verdade”. João 17:3 diz: “E a vida eterna é esta: que conheçam a ti só por único Deus verdadeiro…”. 1 João 5:6 diz: “o Espírito é a verdade”. Versículos como esses indicam que Deus é um ser racional e pensante, cujo pensamento exibe a estrutura da lógica aristotélica.

Se alguém fizer objeções à lógica aristotélica a esse respeito — e presumivelmente não deseja substituí-la pela lógica simbólica booleana-russelina — pergunte e responda se é verdade para Deus que, se todos os cães têm dentes, alguns cachorros — spaniels — têm dentes? Aqueles que contrastam essa “lógica meramente humana” com uma lógica divina querem dizer que, para Deus, todos os cães podem ter dentes, enquanto os spaniels não? Similarmente, com a aritmética “meramente humana”: dois mais dois é igual a quatro para o homem, mas é igual a onze para Deus? Desde que Bernardo desconfiava de Abelardo, tem sido um sinal de piedade em alguns setores menosprezar a “mera razão humana”; e, atualmente, autores existencialistas e neo-ortodoxos se opõem à inferência “estrita” e insistem que a fé deve “restringir” a lógica. Assim, eles não apenas se recusam a fazer da lógica um axioma, mas se reservam o direito de repudiá-la. Em oposição a esta última visão, o seguinte argumento continuará a insistir na necessidade da lógica; e com respeito à alegação de que a Escritura não pode ser axiomática porque a lógica deve ser, será necessário esclarecer com mais detalhes o significado da revelação escriturística.

Agora, como neste contexto a revelação verbal é uma revelação de Deus, a discussão começará com a relação entre Deus e a lógica. Posteriormente virá a relação entre a lógica e a Escritura. E, finalmente, a discussão se voltará para a lógica no homem.

A Lógica e Deus

Será melhor começarmos chamando a atenção para algumas das características que as Escrituras atribuem a Deus. Nada surpreendente está envolvido em observar que Deus é onisciente. Este é um lugar-comum da teologia cristã. Mas, além disso, Deus é eternamente onisciente. Ele não aprendeu seu conhecimento. E visto que Deus existe por si mesmo, independente de tudo o mais, na verdade o Criador de tudo o mais, ele mesmo deve ser a fonte de seu próprio conhecimento. Este ponto importante tem uma história.

No início da era cristã, Filo, o erudito judeu de Alexandria, fez um ajuste na filosofia platônica para adequá-la à teologia do Antigo Testamento. Platão baseou seu sistema em três princípios originais e independentes: o Mundo das Ideias, o Demiurgo e o espaço caótico. Embora os três fossem igualmente eternos e independentes um do outro, o Demiurgo moldou o espaço caótico neste mundo visível usando as Ideias como seu modelo. Portanto, em Platão, o Mundo das Ideias não é apenas independente, mas também em certo sentido superior ao criador do céu e da terra. Ele é moralmente obrigado, e de fato se submete voluntariamente, às Ideias de justiça, homem, igualdade e número.

Filo, no entanto, diz: “Deus foi classificado de acordo com o um e a unidade; ou melhor, até mesmo a unidade foi classificada de acordo com o único Deus, pois todos os números, como o tempo, são mais jovens que o cosmos, enquanto Deus é mais antigo que o cosmos e seu criador”. Isso significa que Deus é a fonte e determinante de toda a verdade. Os cristãos em geral, mesmo os cristãos sem instrução, entendem que a água, o leite, o álcool e a gasolina congelam em temperaturas diferentes porque Deus os criou assim. Deus poderia ter feito um fluido inebriante congelar a zero Fahrenheit e poderia ter feito o produto da vaca congelar a quarenta. Mas ele decidiu o contrário. Portanto, por trás do ato da criação há um decreto eterno. Era o propósito eterno de Deus ter tais líquidos e, portanto, podemos dizer que as particularidades da natureza foram determinadas antes que houvesse qualquer natureza.

Similarmente, em todas as outras variedades de verdade, Deus deve ser considerado soberano. É o seu decreto que torna uma proposição verdadeira e outra falsa. Quer a proposição seja física, psicológica, moral ou teológica, foi Deus quem a fez assim. Uma proposição é verdadeira porque Deus a pensa assim.

Talvez para uma certa completude formal, uma amostra da documentação bíblica possa ser apropriada. O Salmo 147:5 diz: “Grande é o nosso SENHOR e de grande poder; o seu entendimento é infinito”. Se não podemos concluir estritamente deste versículo que o poder de Deus é a origem de seu entendimento, pelo menos não há dúvida de que a onisciência é afirmada. 1 Samuel 2:3 diz: “o SENHOR é um Deus de sabedoria”. Efésios 1:8 fala da sabedoria e prudência de Deus. Em Romanos 16:27 temos a frase “ao único Deus, sábio”, e em 1 Timóteo 1:17 a frase semelhante, “ao único Deus e sábio” [ARA].¹ Outras referências e uma excelente exposição delas podem ser encontradas em Stephen Charnock, The Existence and Attributes of God, capítulos VIII e IX. Deste distinto autor, algumas linhas devem ser incluídas aqui.

Deus conhece a si mesmo porque o seu conhecimento com a sua vontade é a causa de todas as outras coisas; […] ele é a primeira verdade, e por isso é o primeiro objeto do seu entendimento. Como ele é todo o conhecimento, tem em si mesmo o mais excelente objeto de conhecimento […]. Nenhum objeto é tão inteligível para Deus como Deus é para si mesmo […], pois o seu entendimento é a sua essência, ele mesmo. Deus conhece o seu próprio decreto e vontade e, por isso, deve conhecer todas as coisas […]. Deus deve saber o que decretou que aconteceria […]. Deus deve saber porque as quis […], portanto, conhece-as porque sabe o que quis. O conhecimento de Deus não pode provir das próprias coisas, pois então o conhecimento de Deus teria uma causa sem ele […]. Assim como Deus vê as coisas possíveis no espelho do seu próprio poder, assim também vê as coisas futuras no espelho da sua própria vontade.

Grande parte do material de Charnock tem como propósito listar os objetos do conhecimento de Deus. Aqui, porém, as citações foram feitas para indicar que o conhecimento de Deus depende de sua vontade e de nada externo a ele. Assim, podemos repetir com Filo que Deus não deve ser classificado sob a ideia de unidade, bondade ou verdade; mas sim a unidade, a bondade e a verdade devem ser classificadas sob o decreto de Deus.

A Lógica é Deus

É de se esperar que essas observações sobre a relação entre Deus e a verdade sejam vistas como pertinentes à discussão da lógica. Em todo caso, o assunto da lógica pode ser introduzido mais claramente por mais uma referência bíblica. O conhecido prólogo do Evangelho de João pode ser parafraseado: “No princípio era a Lógica, e a Lógica estava com Deus, e a Lógica era Deus… Na lógica estava a vida e a vida era a luz dos homens”.

Essa paráfrase — na verdade, essa tradução — pode não apenas soar estranha para ouvidos devotos, como também pode soar desagradável e ofensiva. Mas o choque mede apenas a distância do devoto em relação à linguagem e ao pensamento do Novo Testamento grego. Por que é ofensivo chamar Cristo de Lógica, quando não ofende chamá-lo de palavra, é difícil de explicar. Mas esse é frequentemente o caso. Mesmo Agostinho, por insistir que Deus é a verdade, foi submetido à acusação anti-intelectualista de “reduzir” Deus a uma proposição. De qualquer forma, o forte intelectualismo da palavra Logos é visto em suas várias traduções possíveis: a inteligência, computação, contas (financeiras), estima, proporção e razão (matemática), explicação, teoria ou argumento, princípio ou lei, razão, fórmula, debate, narrativa, discurso, deliberação, discussão , oráculo, sentença e sabedoria.

Qualquer tradução de João 1:1 que obscureça essa ênfase na mente ou na razão é uma tradução ruim. E se alguém reclama que a ideia de ratio ou debate obscurece a personalidade da segunda pessoa da Trindade, deve alterar seu conceito de personalidade. No princípio, portanto, era a Lógica.

Que a Lógica é a luz dos homens é uma proposição que poderia muito bem introduzir a seção seguinte sobre a relação da lógica com o homem. Mas o pensamento de que a Lógica é Deus nos levará à conclusão da presente seção. Não apenas os seguidores de Bernard têm suspeitas sobre a lógica, mas também teólogos ainda mais sistemáticos desconfiam de qualquer proposta que torne um princípio abstrato superior a Deus. O presente argumento, em consonância com Filo e Charnock, não pretende fazer isso. A lei da contradição não deve ser tomada como um axioma anterior ou independente de Deus. A lei é Deus pensando.

Por esta razão também a lei da contradição não é posterior a Deus. Se alguém disser que a lógica depende do pensamento de Deus, é dependente apenas no sentido de que é a característica do pensamento de Deus. Não é subsequente temporalmente, pois Deus é eterno e nunca houve um tempo em que Deus existisse sem pensar logicamente. Não se deve supor que a vontade de Deus existia como uma substância inerte antes que ele quisesse pensar.

Assim como não há prioridade temporal, também não há prioridade lógica ou analítica. Não somente no princípio era a Lógica, mas a Lógica era Deus. Se esta tradução incomum do Prólogo de João ainda perturba alguém, ele ainda pode admitir que Deus é o seu pensamento. Deus não é um substrato passivo ou potencial; ele é realidade ou atividade. Esta é a terminologia filosófica para expressar a ideia bíblica de que Deus é um Deus vivo. Portanto, a lógica deve ser considerada como a atividade da vontade de Deus.

Embora a teologia de Aristóteles não seja melhor (e talvez pior) do que sua epistemologia, ele usou uma frase para descrever Deus que, com uma ligeira mudança, pode ser útil. Ele definiu Deus como “pensamento-pensando-pensamento”. Aristóteles desenvolveu o significado dessa frase para negar a onisciência divina. Mas se estivermos claros que o pensamento que o pensamento pensa inclui o pensamento sobre um mundo a ser criado — em Aristóteles, Deus não tem conhecimento de coisas inferiores a ele — a definição aristotélica de Deus como “pensamento-pensando-pensamento” pode nos ajudar a entender essa lógica, a lei da contradição, não é nem anterior nem posterior à atividade de Deus.

Esta conclusão pode perturbar alguns pensadores analíticos. Eles podem querer separar a lógica de Deus. Fazendo isso, eles reclamariam que a presente construção funde dois axiomas em um. E se são dois, um deles deve ser anterior; caso em que teríamos de aceitar Deus sem a lógica, ou a lógica sem Deus; e o outro depois. Mas este não é o pressuposto aqui proposto. Deus e a lógica são um e o mesmo primeiro princípio, pois João escreveu que a Lógica era Deus. Por ora, isso deve ser suficiente para indicar a relação de Deus com a lógica. Passamos agora ao que no início parecia ser a questão mais pertinente sobre a lógica e a Escritura.

A Lógica e a Escritura

Há um pequeno mal-entendido que pode ser facilmente resolvido antes de discutir a relação da lógica com as Escrituras. Alguém com um senso histórico vivo pode se perguntar por que a Escritura e a revelação são iguais, quando o discurso direto de Deus a Moisés, Samuel e os profetas é uma revelação ainda mais clara. Essa observação tornou-se possível simplesmente por causa da brevidade anterior. Claro que a fala de Deus a Moisés foi revelação, de fato, revelação par excellence, se assim preferir. Mas nós não somos Moisés. Portanto, se o problema é explicar como sabemos hoje, não se pode usar a experiência pessoal de Moisés. Hoje temos a Escritura. Como a Confissão de Westminster diz: “Foi o Senhor servido […] revelar-se […] e depois […] foi igualmente servido fazê-la escrever toda. Isto torna indispensável a Escritura Sagrada, tendo cessado aqueles antigos modos de revelar Deus a sua vontade ao seu povo”. O que Deus disse a Moisés está escrito na Bíblia; as palavras são idênticas; a revelação é a mesma.

Nisso pode ser antecipada a relação da lógica com a Escritura. Primeiramente, a Escritura, as palavras escritas da Bíblia, é a mente de Deus. O que é dito na Escritura é o pensamento de Deus. Nas polêmicas religiosas contemporâneas, a visão bíblica da Bíblia, a posição histórica da Reforma, ou — o que é a mesma coisa — a doutrina da inspiração plenária e verbal é anatematizada como Bibliolatria. Os liberais acusam os luteranos e calvinistas de adorar um livro em vez de adorar a Deus. Aparentemente, eles pensam que nos ajoelhamos diante da Bíblia no púlpito e nos ridicularizam por beijarmos o anel de um papa de papel.

Essa caricatura decorre de sua mentalidade materialista — um materialismo que pode não ser aparente em outras discussões — mas que vem à tona quando eles direcionam seu fogo contra o fundamentalismo. Eles pensam na Bíblia como um livro material com conteúdo de papel e uma encadernação de couro. Que os conteúdos sejam os pensamentos de Deus, expressos nas próprias palavras de Deus, é uma posição à qual eles são tão invencivelmente antagônicos que não podem nem mesmo admitir que seja a posição de um fundamentalista.

No entanto, sustentamos que a Bíblia expressa a mente de Deus. Conceitualmente, é a mente de Deus ou, mais precisamente, uma parte da mente de Deus. Por isso, o apóstolo Paulo, referindo-se à revelação que lhe foi dada e, de fato, dada aos coríntios por meio dele, pode dizer: “Temos a mente de Cristo”. Também em Filipenses 2:5 ele os exorta: “De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus”. Para o mesmo propósito é sua modesta reivindicação em 1 Coríntios 7:40: “E também eu cuido que tenho o Espírito de Deus”. A Bíblia, portanto, é a mente ou pensamento de Deus. Não é um fetiche físico, como um crucifixo. E duvido que já tenha havido um caipira fundamentalista ignorante o suficiente para rezar para um livro preto com bordas vermelhas. Da mesma forma, a acusação de que a Bíblia é um papa de papel erra o alvo pelo mesmo motivo. A Bíblia consiste em pensamentos, não em papel; e os pensamentos são os pensamentos do Deus onisciente e infalível, não os de Inocêncio III.

Com base nisso — isto é, com base no fato de que a Escritura é a mente de Deus — a relação com a lógica pode ser facilmente esclarecida. Como seria de esperar, se Deus falou, ele falou logicamente. A Escritura, portanto, deve e exibe organização lógica. Por exemplo, Romanos 4:2 é um silogismo destrutivo hipotético entimemático. Romanos 5:13 é um silogismo construtivo hipotético. 1 Coríntios 15:15–18 é um sorites. Obviamente, exemplos de formas lógicas padrão como essas poderiam ser listados em grande extensão.

Há, é claro, muito na Escritura que não é silogístico. As seções históricas são em grande parte narrativas; ainda assim, toda sentença declarativa é uma unidade lógica. Essas frases são verdades; como tal, eles são objetos de conhecimento. Cada um deles tem, ou talvez devêssemos dizer, cada um deles é um predicado ligado a um sujeito. Só assim eles podem transmitir significado.

Mesmo nas próprias palavras isoladas, como é mais claramente visto nos casos de substantivos e verbos, a lógica está embutida. Se a Escritura diz que Davi era rei de Israel, isso não significa que Davi era presidente da Babilônia; e certamente isso não significa que Churchill foi o primeiro-ministro da China. Ou seja, as palavras Davi, Rei e Israel têm significados definidos. A velha calúnia de que a Escritura é um nariz de cera e que a interpretação é infinitamente elástica está claramente errada. Se não houvesse limites para a interpretação, poderíamos interpretar a própria difamação como uma aceitação da inspiração verbal e plenária. Mas visto que a difamação não pode ser assim interpretada, assim também nem o nascimento virginal pode ser interpretado como um mito, nem a ressurreição como um símbolo da primavera. Sem dúvida, há algumas coisas difíceis de entender que os ignorantes distorcem para sua própria destruição, mas as dificuldades não são maiores do que as encontradas em Aristóteles ou Plotino, e contra esses filósofos tal difamação nunca é dirigida. Além disso, apenas algumas coisas são difíceis. Quanto ao restante, os protestantes têm insistido na perspicuidade das Escrituras.

Nem precisamos perder tempo repetindo a explicação de Aristóteles sobre palavras ambíguas. O fato de que uma palavra deve significar uma coisa e não sua contradição é a evidência da lei da contradição em toda linguagem racional. Esta exibição da lógica embutida na Escritura explica por que a Escritura, em vez da lei da contradição, é selecionada como o axioma. Se assumíssemos apenas a lei da contradição, não estaríamos em melhor situação do que Kant. Sua noção de que o conhecimento requer categorias a priori merece grande respeito. De uma vez por todas, de forma positiva — o complemento da forma negativa e não intencional de Hume — Kant demonstrou a necessidade de axiomas, pressuposições ou equipamentos a priori. Mas este sine qua non não é suficiente para produzir conhecimento. Portanto, a lei da contradição como tal e por si mesma não é tomada como o axioma deste argumento.

Por uma razão semelhante, Deus como distinto da Escritura não considerado como o axioma deste argumento. Sem dúvida, essa reviravolta parecerá estranha para muitos teólogos. Parecerá particularmente estranho depois da ênfase anterior na mente de Deus como a origem de toda verdade. Deus não deve ser o axioma? Por exemplo, o primeiro artigo da Confissão de Augsburg nos mostra a doutrina de Deus, e a doutrina da Escritura dificilmente aparece em qualquer lugar em todo o documento. Na Confissão Francesa de 1559, o primeiro artigo é sobre Deus; a Escritura é discutida nos próximos cinco. A Confissão Belga tem a mesma ordem. A Confissão Escocesa de 1560 começa com Deus e chega às Escrituras apenas no artigo dezenove. Os Trinta e Nove Artigos começam com a Trindade, e a Escritura vem nos artigos seis e seguintes. Se Deus é soberano, parece muito razoável colocá-lo em primeiro lugar no sistema.

Mas vários outros credos, e especialmente a Confissão de Westminster, declaram a doutrina da Escritura desde o início. A explicação é bem simples: nosso conhecimento de Deus vem da Bíblia. Podemos afirmar que toda proposição é verdadeira porque Deus pensa assim, e podemos seguir Charnock em todos os seus grandes detalhes, mas o todo é baseado na Escritura. Suponha que não fosse assim. Então “Deus” como um axioma, separado da Escritura, é apenas um nome. Devemos especificar qual Deus. O sistema mais conhecido em que “Deus” foi transformado em axioma é o de Spinoza. Para ele todos os teoremas são deduzidos de Deus sive Natura. Mas é a Natura que identifica o deus de Spinoza. Deuses diferentes podem ser axiomas de outros sistemas. Portanto, o importante não é pressupor Deus, mas definir a mente do Deus pressuposto. Portanto, a Escritura é oferecida aqui como o axioma. Isso dá definição e conteúdo, sem os quais os axiomas são inúteis.

Assim é que Deus, a Escritura e a lógica estão ligados. Os pietistas não devem reclamar que a ênfase na lógica é uma deificação de uma abstração ou da razão humana divorciada de Deus. A ênfase na lógica está estritamente de acordo com o Prólogo de João e nada mais é do que um reconhecimento da natureza de Deus. Não parece peculiar, a esse respeito, que um teólogo possa ser tão fortemente apegado à doutrina da Expiação, ou um pietista à ideia de santificação, que, no entanto, é explicada apenas em algumas partes da Escritura, e ainda ser hostil a ela, ou desconfia da racionalidade e lógica que cada versículo da Escritura exibe?

A Lógica no Homem

Com essa compreensão da mente de Deus, o próximo passo é a criação do homem à imagem de Deus. Os animais irracionais não foram criados à sua imagem; mas Deus soprou seu espírito na forma terrena, e Adão tornou-se um tipo de alma superior aos animais.

Para ser preciso, não se deve falar da imagem de Deus no homem. O homem não é algo em que em algum lugar a imagem de Deus pode ser encontrada junto com outras coisas. O homem é a imagem. Isso, é claro, não se refere ao corpo do homem. O corpo é um instrumento ou ferramenta que o homem usa. Ele mesmo é o sopro de Deus, o espírito que Deus soprou no barro, a mente, o ego pensante. Portanto, o homem é racional à semelhança da racionalidade de Deus. Sua mente é estruturada como a lógica aristotélica a descreveu. É por isso que acreditamos que os spaniels têm dentes. Além dos versículos bem conhecidos do capítulo um, Gênesis 5:1 e 9:6 repetem a ideia. 1 Coríntios 11:7 diz: “o homem… é a imagem e a glória de Deus”. Veja também Colossenses 3:10 e Tiago 3:9. Outros versículos, não tão explícitos, acrescentam informações. Compare Hebreus 1:3, Hebreus 2:6–8 e o Salmo 8. Mas a consideração conclusiva é que em toda a Bíblia como um todo o Deus racional dá ao homem uma mensagem inteligível.

É estranho que alguém que pense ser cristão desaprecie a lógica. É claro que tal pessoa não pretende depreciar a mente de Deus; mas ele pensa que a lógica no homem é pecaminosa, ainda mais pecaminosa do que outras partes da natureza caída do homem. Isso, no entanto, não faz sentido. A lei da contradição não pode ser pecaminosa. Muito pelo contrário, são nossas violações da lei da contradição que são pecaminosas. No entanto, as restrições que alguns escritores devocionais colocam na lógica “meramente humana” são surpreendentes. Essa piedosa estupidez pode realmente significar que um silogismo válido para nós é inválido para Deus? Se dois mais dois são quatro em nossa aritmética, Deus tem uma aritmética diferente na qual dois mais dois são três ou talvez cinco? O fato de que o Filho de Deus é a razão de Deus — pois Cristo é tanto a sabedoria de Deus quanto o poder de Deus — mais o fato de que a imagem no homem é a chamada “razão humana” é suficiente para mostrar que essa chamada “razão humana” não é tanto humana quanto o é divina.

Claro, a Escritura diz que os pensamentos de Deus não são os nossos pensamentos e seus caminhos não são os nossos caminhos. Mas é uma boa exegese dizer que isso significa que sua lógica, sua aritmética, sua verdade não são nossas? Se assim fosse, quais seriam as consequências? Isso significaria não apenas que nossas adições e subtrações estão todas erradas, mas também que todos os nossos pensamentos — tanto na história quanto na aritmética — estão todos errados. Se, por exemplo, pensamos que Davi era rei de Israel, e os pensamentos de Deus não são os nossos, segue-se que Deus não pensa que Davi era rei de Israel. Davi na mente de Deus era talvez o primeiro ministro da Babilônia.

Para evitar esse irracionalismo, que obviamente é uma negação da imagem divina, devemos insistir que a verdade é a mesma para Deus e para o homem. Naturalmente, podemos não saber a verdade sobre alguns assuntos. Mas se sabemos alguma coisa, o que devemos saber deve ser idêntico ao que Deus sabe. Deus conhece toda a verdade e, a menos que saibamos algo que Deus conhece, nossas ideias são falsas. É absolutamente essencial, portanto, insistir que existe uma área de coincidência entre a mente de Deus e a nossa mente.

Lógica e Linguagem

Este ponto nos leva à questão central da linguagem. A linguagem não se desenvolveu nem seu propósito se restringiu às necessidades físicas da vida terrena. Deus deu a Adão uma mente para compreender a lei divina, e deu-lhe uma linguagem para capacitá-lo a falar com Deus. Desde o início, a linguagem foi planejada para adoração. No Te Deum, por meio da linguagem, e apesar de ser cantado com música, rendemos “elogios metafísicos” a Deus. O debate sobre a adequação da linguagem para expressar a verdade de Deus é uma falsa questão. As palavras são meros símbolos ou signos. Qualquer signo seria adequado. A verdadeira questão é: um homem tem a ideia a simbolizar? Se ele pode pensar em Deus, então ele pode usar o som Deus, God, Theos ou Elohim. A palavra não faz diferença e o signo é ipso facto literal e adequado.

A visão cristã é que Deus criou Adão como uma mente racional. A estrutura da mente de Adão era a mesma de Deus. Deus pensa que afirmar o consequente é uma falácia; e a mente de Adão foi formada nos princípios de identidade e contradição. Essa visão cristã de Deus, do homem e da linguagem não se encaixa em nenhuma filosofia empírica. É antes um tipo de racionalismo a priori. A mente do homem não é inicialmente um espaço em branco. É estruturado. De fato, um espaço em branco não estruturado não é uma mente. Tampouco qualquer folha de papel branco poderia extrair qualquer lei universal da lógica da experiência finita. Nenhuma proposição universal e necessária pode ser deduzida da observação sensorial. Universalidade e necessidade só podem ser a priori.

Isso não quer dizer que toda verdade pode ser deduzida apenas da lógica. Os racionalistas do século XVII deram a si mesmos uma tarefa impossível. Mesmo que o argumento ontológico seja válido, é impossível deduzir Cur Deus Homo, a Trindade ou a ressurreição final. Os axiomas aos quais as formas lógicas a priori devem ser aplicadas são as proposições que Deus revelou a Adão e aos profetas posteriores.

Conclusão

A lógica é insubstituível. Não é uma tautologia arbitrária, uma estrutura útil entre outras. Vários sistemas de catalogação de livros em bibliotecas são possíveis, e vários são igualmente convenientes. Eles são todos arbitrários. A história pode ser designada por 800 tão facilmente quanto por 400. Mas não há substituto para a lei da contradição. Se cão é o equivalente de não-cão, e se 2 = 3 = 4, desaparecem não só a zoologia e a matemática, como também desaparecem Victor Hugo e Johann Wolfgang von Goethe. Esses dois homens são exemplos particularmente apropriados, pois ambos são, especialmente Goethe, românticos. Mesmo assim, sem a lógica, Goethe não poderia ter atacado a lógica do Evangelho de João (I, 1224–1237):

Geschrieben steht: “Im anfang war das Wort!”
Hier stockich schon! Wer hilft mir weiter fort?
Mir hilft der Geist! Auf einmal seh’ ich
Rath und schreib’getrost: “Im Anfang war die That!”

Mas Goethe pode expressar sua rejeição ao Logos divino de João 1:1 e expressar sua aceitação da experiência romântica apenas usando a lógica que ele despreza.

Para repetir, mesmo que pareça cansativo: a lógica é fixa, universal, necessária e insubstituível. A irracionalidade contradiz o ensino bíblico do começo ao fim. O Deus de Abraão, Isaque e Jacó não é insano. Deus é um ser racional, cuja arquitetura da mente é lógica.

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¹ Nota do Tradutor: Na versão original: “God only wise” (Romanos 16:27) e “the only wise God” (1 Timóteo 1:17).

— Gordon H. Clark. God and Logic. The Trinity Foundation, novembro/dezembro de 1980. Tradução: Luan Tavares (16/06/2023).

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A menos que haja outra indicação, todas as versões bíblicas usadas nesta tradução pertencem à Almeida Revista e Corrigida — ARC © 2009 Sociedade Bíblica do Brasil. Todos os direitos reservados.

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Gordon H. Clark
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Written by Gordon H. Clark

Gordon Haddon Clark (1902–1985) foi um teólogo, filósofo e apologista pressuposicional. “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade.” (João 17:17)

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