Felicidade

“Felicidade” (eudamonia, do qual derivamos eudemonismo) é o termo que Aristóteles usou para designar o objetivo de vida. Ela é um fim em si mesmo, nunca um meio para qualquer outra coisa. “… à honra, ao prazer, à razão e a todas as virtudes nós de fato escolhemos por si mesmos… também os escolhemos no interesse da felicidade… A felicidade, todavia, ninguém a escolhe tendo em vista algum destes, nem, em geral, qualquer coisa que não seja ela própria”.¹
Embora o termo “felicidade” pareça designar um único fim, ele consiste de várias partes, todas necessárias. Dois fatores a serem escolhidos voluntariamente são a atividade virtuosa e a racional. As virtudes são a coragem, temperança, liberalidade, e assim por diante. Atividade racional é uma questão de estudar física, metafísica etc. A razão é que essas são as funções naturais do homem enquanto homem. O propósito de uma flauta é produzir música; o propósito de um peixe é produzir peixe, o propósito de um sapateiro é produzir sapatos, mas o propósito do homem enquanto homem é viver virtuosa e racionalmente. Há também alguns fatores involuntários na felicidade. Uma vida de tragédia ou desgraça (mesmo que não merecida) não é uma vida feliz. E um homem não pode ser considerado feliz se seus filhos sofrem uma tragédia. Portanto, é impossível saber se um homem é feliz até depois de estar morto.
A ética de Agostinho também era eudemonismo, A boa vida é uma de felicidade (beatitudo, beatitas; ambos os termos cunhados por Cícero). Todos os homens desejam a felicidade (De Trinitate, X, v, 7). “Ninguém vive como deseja, a menos que seja feliz” (De Civitas Dei, XIV, 25). Ora, Agostinho no menosprezaria virtudes como a coragem e a temperança; nem desdenharia do pensamento racional. De fato, ninguém pode ser feliz sem o conhecimento da verdade. Nisso há semelhança com Aristóteles. Mas Agostinho substitui o secularismo de Aristóteles por conteúdo cristão. Deus é verdade, e conhecer Deus é sabedoria. Portanto, a felicidade que Agostinho recomenda se torna bem-aventurança ou beatitude.
Mais explicitamente: sabedoria não é o conhecimento de algum deus pagão nem tampouco, digamos, do princípio primeiro de Espinosa. Ter sabedoria é ter Cristo. Cristo é a verdade; Cristo é a sabedoria de Deus.
Uma razão para fazer da verdade o objetivo dos nossos esforços é que, se amamos o que pode ser perdido, não podemos ser felizes. Mas Deus, Cristo e a verdade são imutáveis, e se temos isso, nossa bem-aventurança é permanente.
O eudemonismo, portanto, não deve ser confundido com hedonismo, como é às vezes feito por ignorância; os dois formam um contraste.²
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¹ Aristóteles, Ética a Nicômaco, Livro I (São Paulo: Nova Cultural, 1991), p. 55.
² Este artigo do dr. Clark foi originalmente publicado em Baker’s Dictionary of Christian Ethics, Carl F. H. Henry, editor. Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1973, p. 281–282.
CLARK, Gordon H. Ensaios sobre Ética e Política. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2018, pp. 171–172.