Indução

Gordon H. Clark

Gordon H. Clark
9 min readJun 27, 2023

Até aqui a discussão cobriu dois detalhes nos quais o empirismo falha: imagens e causação. Um terceiro detalhe — mas note que a palavra detalhe não implica algo desconexo das demais coisas, pois tudo é inseparável de tudo o mais — é a questão da indução e das proposições universais. O cristianismo seria impossível sem proposições universais. Proposição universal é uma proposição sem exceções: Todos os cachorros são caninos, e nenhum cachorro é gato. Isso se aplica a todos os cachorros e a todos os gatos, universalmente, sem exceção. As leis da física são universais, como E=mc². Supostamente não há exceção. Mas Einstein é muito avançado para a apologética ordinária. Que o exemplo seja este: a água ferve a 100°C. Ela certamente deve ferver, pois é como se define centígrado. Assim, a água ferve a 100°C se estiver ao nível do mar, não houver tampa na panela, o barômetro estiver precisamente em 30 polegadas, e se — não lembro o que vem a seguir. Na teologia os universais não têm exceções, mas na física são todos falsos. Talvez a botânica seja melhor. Todos os cactos são suculentos, e nenhuma ocotilla é um cacto. A Bíblia também afirma proposições universais, mas ao contrário da física elas são todas verdadeiras. Algumas podem ser chamadas de adágios, como, por exemplo, “Quem ama a disciplina ama o conhecimento” (Provérbios 12.1) e “A sabedoria é mais proveitosa do que a estultícia” (Eclesiastes 2.13). Outras são aquelas que a maioria das pessoas chamam de teológicas: “o justo viverá pela sua fé” (Habacuque 2.4); e “se alguém tirar qualquer coisa das palavras do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte da árvore da vida” (Apocalipse 22.19). Todas essas, incluindo a última, são proposições redutíveis à forma afirmativa universal “todo a é b”. O primeiro desses exemplos se torna “Todos os que amam a instrução amam o conhecimento”. O último é mais complexo: “Todos os homens que excluem qualquer coisa da profecia são homens a quem Deus punirá”.

Ora, quer o assunto seja teologia, moralidade, quer seja a simples e comum física, o empirismo não pode produzir nem justificar qualquer proposição universal. A explicação é óbvia: a experiência nunca é universal. Além do erro variável envolvido em todas as medições laboratoriais, uma dúzia ou mil experimentos jamais podem cobrir todos os pêndulos que agora existem, já existiram e existirão. Pior ainda, na física a lei não é verdadeira nem mesmo para um único pêndulo visível, pois a física pressupõe que o pêndulo oscila a partir de um ponto sem atrito, num fio sem tensão, com o peso do pêndulo concentrado em um ponto. Além dessas impossibilidades, um pêndulo em Londres não oscila como um em Washington, pois a latitude muda a equação. Esses quatro motivos, e há provavelmente outros, impedem o físico de ter qualquer base lógica para afirmar “Todos os pêndulos…”. De fato, a física tem universais; mas nenhum deles é verdadeiro.

Mas se alguém é deficiente em lógica e em métodos laboratoriais, a história deveria convencê-lo. Anos atrás os cientistas abandonaram cada uma das leis de Newton, até mesmo a suposição básica de que o espaço e o tempo são estruturas independentes dentro das quais as coisas se movem. Tudo o que o Departamento de Física da Universidade da Pensilvânia me ensinou em 1921 já foi descartado. No entanto, até mesmo uma revolução como essa não é tão importante quanto o princípio básico de que a experiência é sempre limitada e nunca pode ser universal.

Também deveria ser observado que a física é o procedimento empírico mais cuidadoso que o homem conhece. Se o extremo cuidado da observação laboratorial não resulta em verdades, como as experiências não controladas e desatentas da vida cotidiana poderiam fazer melhor?

A maioria dos físicos, infelizmente, presta pouca atenção nas implicações dos princípios filosóficos. Os cientistas mais teoréticos, e, portanto, superiores, percebem sua situação difícil. Um deles foi Herbert Feigl, que estava entre os melhores porta-vozes da sua escola do positivismo lógico. Mas o positivismo era lógico num sentido muito ilógico, pois substituiu a dedução, ou raciocínio válido, pela indução, ou raciocínio inválido. Tenho um respeito muito sincero por Herbert Feigl, com quem infelizmente nunca me encontrei. Não devo chamá-lo de o mais honesto nem mesmo de um dos mais honestos pensadores de qualquer escola, pois indubitavelmente 99,99% de todos os físicos são honestos. Mas Feigl era certamente mais perspicaz do que quase qualquer outro no tocante à imensidão e profundidade abismal do grande golfo entre os cristãos e os ateus. O parágrafo a seguir é excelente:

Provavelmente a divisão mais decisiva entre as atitudes filosóficas é aquela entre os tipos de pensamento deste mundo e do outro mundo. Diferenças profundas na personalidade e no temperamento se expressam nas formas em constante mudança que esses dois tipos de perspectiva assumem. Muito provavelmente, há aqui uma divergência irreconciliável. Ela é mais profunda que a discordância doutrinária: é, no fundo, uma diferença em objetivos e interesses básicos. Inúmeras discussões e controvérsias frustradas desde a antiguidade atestam que o argumento lógico e a evidência empírica são incapazes de resolver o conflito. Em última análise isso é assim porque a própria questão do poder jurisdicional do apelo à lógica e à experiência (e com ele a questão de saber o que a evidência empírica pode estabelecer) está em jogo.¹

Dr. Cornelius Van Til, do Seminário Westminster, irritou os apologistas empíricos ao insistir que não há nenhum “terreno comum” compartilhado por crentes e incrédulos — isto é, se ambos forem consistentes com seus princípios. O objetivo empírico é descobrir algum ponto de concordância que eles possam usar para convencer qualquer homem da veracidade do cristianismo. O dr. Van Til nega que haja tal concordância. Bem, há uma espécie de concordância: Van Til e Feigl concordam que não há nenhuma concordância, nenhuma proposição em comum a partir do que uma doutrina cristã, ou qualquer outra coisa, poderia ser deduzida. Leia o excelente parágrafo de Feigl novamente.

Para um anticristão, Feigl é surpreendentemente exato ao contrastar a mentalidade terrena com a mentalidade celestial. Ele reconhece uma divergência irreconciliável de interesses. Eu não afirmaria que ela é mais profunda que a discordância doutrinária, pois os próprios “objetivos e interesses” fazem parte da doutrina. Naturalmente, o argumento lógico e a evidência empírica são incapazes de resolver o conflito “porque a própria questão do poder jurisdicional… está em jogo”. Precisamente: o que a teoria dele considera evidência, o apriorismo ou pressuposicionalismo cristão, ou qualquer que seja o nome apropriado para isso, considera enganoso.

Algumas linhas adiante, Feigl continua:

Sempre haverá aqueles que acham este nosso mundo — cruel e deplorável que possa ser em certos aspectos — um lugar fascinante e excitante para viver… E sempre haverá aqueles que consideram o Universo da experiência e da natureza uma coisa sem importância e secundária em comparação com algo mais fundamental e significativo.

Se há algum tênue desvio da verdade aqui, ele está na frase ambígua “cruel e deplorável… em certos aspectos”. Mas isso é mais um desvio de ênfase, pois literalmente a frase é verdadeira, a despeito dos massacres e terrorismos da história. A diferença poderia estar na relação entre o que dois homens consideram deplorável. Além disso, o cristão relutantemente aceita o que é deplorável por causa de sua crença de que Deus ordena assim as coisas para benefício dos seus adoradores, quer nesta vida, quer na próxima. Se não houver mais Deus além do que se pode encontrar na experiência, o suicídio parecerá ser a única solução satisfatória. “Se Cristo não ressuscitou, somos os mais miseráveis dentre os homens.” E se os outros são um pouco menos miseráveis, ainda é um mistério por que eles não acabam logo com tudo.

Sem dúvida, o xadrez e a física fornecem algum prazer temporário. Que a astronomia encontrou alguns buracos negros, eis algo digno de anúncio na televisão. Mas Feigl trata seus oponentes de forma muito educada quando os descreve como achando a “natureza uma coisa sem importância e secundária em comparação com algo mais fundamental”. Essa pode ser uma declaração verdadeira, se baseada em axiomas cristãos. Mas se baseada nos próprios axiomas não cristãos de Feigl, longe de ter uma importância secundária, o mundo não tem importância nenhuma. E doloroso o bastante viver na esperança cristã. Mas continuar sem ela é inexplicável.

Falando coloquialmente, parece que o único avanço proveitoso na ciência é o da medicina. A física nuclear é um retrocesso dos melhores dias dos arcos e flechas. Até mesmo a medicina perde o seu valor num mundo de positivismo lógico; pois, em primeiro lugar, o positivismo lógico não pode justificar nenhum alegado valor, e, em segundo lugar, a pessoa curada retorna à miséria da vida comum. Até mesmo o apóstolo Paulo disse: “Ora, de um e outro lado [vida e morte], estou constrangido, tendo o desejo de partir e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor. Mas, por vossa causa, é mais necessário permanecer na carne” (Filipenses 1.23–24).

Manifestamente, Feigl não pode se contentar em meramente distinguir esta ou aquela religião do cientificismo dele, não importa quão educada ou perspicazmente ele o faça. Ele deve defender a possibilidade do conhecimento científico. Aqui também ele é mais lúcido e definitivo que a maioria dos outros. Ele reconhece que proposições universais não podem ser validamente obtidas pela experimentação. O que então justifica a afirmação de uma lei da física? Além da definição ostensiva e de algum princípio de verificação ou outro, seu procedimento atual é a indução. A metafísica racionalista dedutiva é completamente desprovida de significado factual.

Ele reconhece o que todo cientista sabe, que a observação direta valida muito poucas declarações. Deve haver indução e probabilidade. Mas a própria indução não pode ser justificada. Deve-se simplesmente assumir que as observações dão amostras corretas. Note, porém, que essa suposição é geralmente falsa. Mas Feigl tem uma solução surpreendente para o seu problema. A validade de qualquer processo de justificação deve ser a prova dedutiva ou a evidência indutiva. “O processo de indução, portanto, longe de ser irracional, define a própria essência da racionalidade”.

Ficamos confusos em argumentar contra essa posição. A indução é válida porque a ciência a usa, e a ciência a usa porque ela é válida. Nós argumentamos que o positivismo lógico é irracional porque ele alega estabelecer leis universais com base em observações limitadas; e o positivismo lógicos argumenta que somos irracionais porque usamos a inferência necessária. Ora, a inferência necessária não produz tanta verdade como a maioria das pessoas querem. Mas a inferência desnecessária não chega a absolutamente nenhuma verdade.²

Para aliviar a tristeza sofrida pelo público geral que lê esta pitada módica de tecnicidade, um exemplo muito simples pode ser acrescentado. O positivismo lógico não pode concluir que todos os pintarroxos têm peito avermelhado só porque dois ou três no gramado o têm. E certamente não concluem que todos os átomos de carbono têm peso de 12.1 por jogarem alguns na balança. Provavelmente, menos da metade pesam 12.1. Alguns supostamente pesam 14.³

Contudo, Feigl assinala um ponto incontestável. Sua escolha da indução, sendo uma escolha, mostra que todo sistema deve ter um ponto de partida. Se um sistema não tem um ponto de partida, ele não pode começar, nicht? Mas o ponto de partida não pode ter sido deduzido ou se baseado em algo anterior ao início, pois nada é anterior ao início, n’est-ce pas? Todo sistema, portanto, toda tentativa de sistema deve ter um axioma original, não deduzido. Nosso caro amigo Aristóteles observou isso, pois argumentou que se todas as s tivessem de ser deduzidas, elas regressariam ao infinito, com o resultado de que nada poderia ser deduzido.

Visto que até mesmo o comunismo não pode impedir alguém de escolher o princípio que lhe pareça melhor, o cristão escolherá o Deus da verdade, ou, se for preferido, a verdade de Deus. Ele então prosseguirá por dedução, isto é, pela lei da contradição, pois a lei da contradição está embutida na primeira palavra de Gênesis. Bereshith, no princípio, não significa quase no princípio. Isto é, por toda parte a Escritura assume a lei da contradição, a saber, que uma verdade não pode ser falsa. Visto que a dedução é inferência necessária, nenhuma dedução adicional- sem falar em indução — pode refutar o que já foi provado.⁴ Assim, o conhecimento possível para os seres humanos consiste nos axiomas e nas deduções extraídos da Escritura. Podemos de fato abrigar opiniões sobre Colombo e elas podem acidentalmente ou por sorte ser verdadeiras; mas não poderíamos sabê-las. Nosso caro pagão Platão, ao final do seu livro Mênon (98b), declara: “Mas que a opinião correta é algo de tipo diferente da ciência (orthēmē), certamente não me parece que conjecture; antes, se há uma coisa que eu afirmaria saber — e são poucas as que afirmaria <saber> — uma, de qualquer forma, esta justamente, eu colocaria entre as coisas que eu sei”.⁵

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¹ Logical Empiricism [Living Schools of Philosophy, ed. Dagobert Runes (Ames, Iowa: Littlefield, Adams, and Co., 1956)], 325.
² Compare com o meu livro Philosophy of Science and Belief in God (Jefferson: The Trinity Foundation, 1987), 58–62, 105–108, onde uma análise da experimentação laboratorial mostra que os cientistas sempre escolhem suas leis com base em preferências estéticas.
³ Para mais detalhes técnicos que destroem a posição de Feigl, incluindo que considero ser uma contradição definitiva, veja o meu livro Language and Theology (Jefferson: The Trinity Foundation, 1993 [1980]), capítulo 7, especialmente a página 62.
⁴ Se um conjunto de axiomas inclui contradições, tudo pode resultar: tanto Colombo descobriu a América em 1492 como Colombo descobriu a América em 1942; tanto Jerusalém está na Palestina como Jerusalém está na China; tanto 2+2=4 como 2–2=4. Isso significa nada menos que o conjunto de axiomas é desprovido de significado.
⁵ Platão, Mênon (Rio de Janeiro: PUC-Rio; Loyola, 2001), p. 103.

— Gordon H. Clark. Senhor Deus da Verdade. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2018, pp. 63–70.

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Written by Gordon H. Clark

Gordon Haddon Clark (1902–1985) foi um teólogo, filósofo e apologista pressuposicional. “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade.” (João 17:17)

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