John Locke

Gordon H. Clark

Gordon H. Clark
6 min readJun 25, 2023
John Locke (1632–1704) foi filósofo inglês, um dos mais importantes filósofos do empirismo.

Os maiores empiristas foram o pagão Aristóteles, o católico-romano Tomás de Aquino e o protestante John Locke. Esses três pensadores, um deles indisputavelmente o maior, diferiam entre si apenas em alguns detalhes de menor importância. Mas porque escrevia em inglês e porque usava uma linguagem mais simples do que os outros dois e porque sua influência sobre os Estados Unidos foi mais direta, John Locke (1632–1704) pode bem servir como o primeiro exemplo.

Sua grande obra — deveríamos dizer uma de suas grandes obras, pois ele também escreveu um livro sobre política que influenciou grandemente a formação da nação norte-americana — é Ensaio acerca do entendimento humano.¹ Ela é dividida em quatro livros. O Livro I é uma refutação detalhada, isto é, um argumento detalhado que busca refutar a teoria das ideias inatas. Locke divide todas as ideias alegadamente inatas em alguns tipos, e passa a trabalhar com cada tipo. Os detalhes não são necessários aqui, mas a conclusão é. Ela é o fundamento da sua filosofia, e esse fundamento é que, ao nascer, a mente do homem é um vazio.

O primeiro parágrafo do Livro Il tem como subtítulo “Ideia é o objeto do pensamento” (p. 57), Visto, no entanto, que Platão usou o termo Ideia com um significado totalmente diferente, evitaremos confusão se citarmos uma ou duas linhas do Livro I, capítulo 1, parágrafo 8: “[Ideia é] o termo mais indicado para significar qualquer coisa que consiste no objeto do entendimento quando o homem pensa” (p. 32). Mas, uma vez que essa sentença sozinha seria demasiado confusa, Locke adiciona “usei-o para expressar qualquer coisa que pode ser entendida como fantasma, noção, espécie…” (p. 32–33). A palavra fantasma deriva provavelmente do termo phantasia de Aristóteles, e hoje a chamaríamos talvez de imagem da memória. Noção é um termo muito vago; e espécie se origina de um termo latino com um significado bem diferente do seu derivado biológico inglês [ou português]. Todavia, o que é obscuro no Livro l é mais do que suficientemente esclarecido no Livro II:

Todo homem tem consciência² [note que isso é uma experiência totalmente subjetiva] de que pensa, e que quando está pensando sua mente se ocupa de ideias. Por conseguinte, é indubitável que as mentes humanas têm várias ideias, expressas, entre outros, pelos termos brancura, dureza, doçura, pensamento, movimento, homem, elefante, exército, embriaguez [e outras]… (p. 57)

Essa enumeração é por si só bastante inclusiva. Alguns desses itens são consideravelmente complexos. Mas Locke não nos deixa em dificuldade. Ele percebeu e explicou diferentes tipos de ideias:

2. Todas as ideias derivam da sensação ou reflexão. Suponhamos, pois, que a mente é, como dissemos, um papel em branco, desprovida de todos os caracteres, sem nenhuma ideia; como ela será suprida? (p. 57)

Aqui, Locke retrata a mente como um pedaço de papel branco sem qualquer escrita nele. Tomás de Aquino usou a frase “tabula rasa”. Ora, se um cristão devoto pensa que aqui nos distanciamos bastante do material bíblico de apenas algumas páginas atrás, alguém deve lembrá-lo de que Aquino e Locke pretendiam provar a existência de Deus com base nas sensações impressas sobre essa mente vazia. O estudo da filosofia, a construção do argumento cosmológico, a defesa da fé, exigem paciência e aplicação. Como disse o grande filósofo Harry Truman, “Se você não aguenta o calor, saia da cozinha”.

Agora, seguindo com Locke:

…como ela [a mente] será suprida? De onde lhe provém este vasto estoque, que a ativa e ilimitada fantasia do homem pintou nela com uma variedade quase infinita? De onde apreende todos os materiais da razão e do conhecimento [sem os quais não poderíamos saber que há um Deus]? A isso respondo, numa palavra: da EXPERIÊNCIA. Todo o nosso conhecimento está nela fundado, e dela deriva fundamentalmente o próprio conhecimento. (Ibid.)

Esse maravilhoso floreio literário é bastante otimista. Sem dúvida, muitos sustentariam que os desenvolvimentos do século XX dão razão a Locke. A ativa e ilimitada fantasia do homem nos deu telefones; os aviões substituíram as locomotivas; e os computadores tornam mais fácil roubar bancos. Mas se os moralistas deploram o assassinato generalizado de infantes, como encorajado pela Suprema Corte, os cientistas não estão tão seguros quanto Isaac Newton, um contemporâneo de Locke, de que as leis da física são verdadeiras. Os cientistas continuam a mudá-las a cada poucos anos. No entanto, a ativa fantasia do homem pode, todavia, descobrir alguma verdade através da sensação. Assim, precisamos seguir adiante com Locke.

“Nossa observação, empregada tanto nos objetos sensíveis externos…” (Ibid.). Só um minuto. Um momento atrás tínhamos algo escrito num pedaço de papel em branco. Isto é, tínhamos algumas experiências mentais internas. De onde vieram esses objetos externos?

Porém, “empregada tanto nos objetos sensíveis externos como nas operações internas de nossas mentes [pode um pedaço de papel em branco, uma tabula rasa, operar?], que são por nós mesmos percebidas e refletidas, nossa observação supre nossos entendimentos com todos os materiais do pensamento”. Com todos, e não apenas alguns. “Dessas duas fontes de conhecimento jorram todas as nossas ideias, ou as que possivelmente teremos” (Ibid.).

Porque esses parágrafos são a base do empirismo, porque um estudante deve, portanto, tê-los tão claramente em mente quanto possível e porque também uma epistemologia diferente irá contestar o todo, é sábio citar mais um parágrafo. Uma refutação bem-sucedida não pode estar baseada num mal-entendido.

3. O objeto da sensação é uma fonte das ideias. Primeiro nossos sentidos, familiarizados com os objetos sensíveis particulares, levam para a mente várias e distintas percepções das coisas, segundo os vários meios pelos quais aqueles objetos os impressionaram. Recebemos assim, as ideias de amarelo, branco, quente, frio, mole, duro, amargo, doce e todas as ideias que denominamos de qualidades sensíveis. Quando digo que os sentidos levam para a mente, entendo com isso que eles retiram dos objetos externos para a mente o que lhes produziu estas percepções. A esta grande fonte da maioria de nossas ideias, bastante dependente de nossos sentidos, dos quais se encaminham para o entendimento, denomino sensação. (p. 57–58)

Os argumentos contra o empirismo são inúmeros, e cada um tem muitos exemplos. Eles estarão dispersos no texto que segue. Mas o começo se limita ao grande defeito inerente ao parágrafo citado. Locke começa com uma mente vazia. De algum modo aparecem letras escritas sobre o papel em branco. Elas são chamadas de sensações. Todo o nosso conhecimento se baseia na experiência e, em última análise, deriva dela. A grande fonte da maioria de nossas ideias — excluindo as ideias internamente produzidas da introspecção — , bastante dependente de nossos sentidos, dos quais se encaminham para o entendimento, “denomino sensação”. Isso leva Locke a uma petitio principii: ele assume o que deveria ter provado. Observa-se que, sem qualquer argumentação, ele assume que essas marcas sobre o papel em branco vieram de objetos fora da mente.

Ora, a metáfora do papel em branco sugere uma fonte externa. Falando estritamente, não se deve basear filosofia em metáforas. A experiência consiste unicamente nas marcas, no duro, no doce e no azul. Até a mente ou o papel, se for algo distinto das marcas, não foi demonstrado. Mais tarde, Locke descreverá essa mente em termos de que “era algo, mas não sabia o quê” (p. 123). Mas aqui o principal ponto é que Locke não fornece nenhum ponto de conexão entre as marcas conhecidas e sua causa desconhecida. Dado o vermelho, o marrom e talvez uma fragrância, como se descobre que uma árvore ou um arbusto os causou? Os objetos do conhecimento são ideias, ideias subjetivas; elas estão na ou sobre a mente, ou simplesmente são a mente, Portanto, ele caiu em petição de principio ao assumir sem qualquer prova o que deveria ter sido uma conclusão bem fundamentada a partir dos seus axiomas.

Hoje, aqueles apologistas evangélicos do século XX que usam a abordagem empírica enfrentam o mesmo impasse, e ignoram-no em bom estilo lockeano. Eles poderiam tentar (mas não conheço ninguém que o tenha) construir o argumento cosmológico para a existência de Deus com base na sensação subjetiva. O bispo Berkeley tentou; mas nossos apologistas atuais não ligam muito para Berkeley. Assim, a acusação da petição de principio permanece sem resposta.

O desenvolvimento lógico do argumento contra o empirismo deve continuar com uma série de detalhes físicos e psicológicos, como a causalidade, imaginação e indução. Mas estes serão adiados e usados mais tarde para confirmar a refutação do argumento cosmológico. Aristóteles o produziu em sua forma mais completa na sua Física, Livro VIII. Estritamente falando, e apesar dos inúmeros detalhes técnicos, o argumento cosmológico de Aristóteles inclui todos os sete livros anteriores da Física.

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¹ São Paulo: Nova Cultural, 1999. Nas citações do livro, o número de página seguirá entre parêntese. [N. do T.]
² Essa é uma mudança de significado que são mais nos confunde. Na época anterior a Locke eram necessárias pelo menos duas pessoas para se estar con-sciente. [Clark refere-se aqui do termo consciência, no original inglês conscious to himself, que poderia ser traduzido como autoconsciente ou consciente para consigo mesmo.]

— Gordon H. Clark. Senhor Deus da Verdade. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2018, pp. 17–22.

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Written by Gordon H. Clark

Gordon Haddon Clark (1902–1985) foi um teólogo, filósofo e apologista pressuposicional. “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade.” (João 17:17)

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