Lei Natural e Revelação
Gordon H. Clark

O 4 de julho é um momento apropriado para considerar os problemas básicos da política.
Na Declaração de Independência, o povo norte-americano acusou o governo britânico de abusos, usurpações, despotismo e tirania. O rei havia exorbitado dos seus poderes legítimos. Ele havia proibido seus governadores de executar importantes leis até que seu consentimento fosse obtido, repetidas vezes havia dissolvido legislaturas devidamente eleitas; havia tornado o judiciário dependente da sua vontade; havia levantado uma burocracia hostil; havia tornado o poder militar superior ao civil, havia imposto taxas sem o consentimento do povo, havia privado o povo de um julgamento por júri e transportado o povo para além-mar para ser julgado por pretensas ofensas.
Evidentemente, os colonos pensavam que havia certas coisas que um Governo não tinha o direito de fazer.
Assim, também, quando a Constituição trouxe à existência os Estados Unidos da América, uma Declaração de Direitos precisava ser escrita nela. O Congresso não fará nenhuma lei a respeito de um estabelecimento da religião… O direito das pessoas de estarem seguras em suas pessoas, casas, documentos e seus efeitos contra buscas e apreensões injustificadas não será violado… Os poderes não delegados aos Estados Unidos pela Constituição, nem proibidos por ela aos estados, são reservados aos estados respectivamente, ou ao povo.
A liberdade hoje, mais do que nunca, precisa ser defendida de violações totalitárias. Não há apenas a brutalidade de reduzir uma população ao nível de escravidão abjeta, com uma igreja controlada para aplaudir seus governantes ateus; também em terras ocidentais os encargos e orçamentos, as regulamentações e controles se tornam constantemente mais onerosos. O décimo artigo da Declaração de Direitos é quase letra morta.
Podem as limitações aos Governos, pode a proteção das minorias à luz da ação majoritária, podem os direitos e liberdades individuais ser racionalmente mantidos? Ou será que democracia significa o governo de uma multidão desorganizada?
Alguns dos colonos, Thomas Jefferson por exemplo, eram deístas. Jefferson considerava Jesus simplesmente um bom professor de moral. No entanto, fundamentou os direitos individuais numa espécie de teologia. Após se referir às leis da natureza e ao Deus da natureza, Jefferson escreveu: “Consideramos estas verdades como autoevidentes: que todos os homens… são dotados pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis”.
A filosofia tomista da Igreja Católica Romana também baseia sua teoria política (totalmente totalitária) na ideia da lei natural. Jacques Maritain disse: “Existe, pela própria virtude da natureza humana, uma ordem ou disposição que a razão humana pode descobrir… A lei não escrita, ou Lei Natural, é nada mais do que isso”. E se não é o caso de Maritain, outros acrescentam que essa lei não escrita é a premissa religiosa mínima, pois significa que o Universo não é indiferente à vida individual do homem.
Assim, a lei da natureza é considerada superior aos estatutos de um Estado; ela é uma norma para a legislação; e um Estado tem a obrigação teorética de confinar sua legislação dentro dos limites prescritos pela natureza.
Nesta discussão o ponto importante é se a razão humana pode ou não descobrir na natureza uma ordem de moralidade que estabeleça a norma para a lei regulamentar. São os direitos inalienáveis de Jefferson autoevidentes? O argumento não se centra nos direitos individuais como tal, nem na existência de um Criador, nem na autoridade do Criador para julgar as nações. O ponto em questão é se essas proposições podem ou não ser provadas por uma observação da natureza. Talvez elas só podem ser obtidas por revelação especial.
E instrutivo notar que os teóricos políticos que não foram tocados pela revelação cristã advogam, quase sem exceção, o totalitarismo. Se Platão era comunista, Aristóteles era fascista. A educação parental privada é proibida porque a educação tem como seu objetivo a produção de cidadãos para o bem do Estado. O número de filhos que uma família pode ter é controlado pelo Governo, e as crianças excedentes devem alimentar os lobos. E todos devem professar a religião do Estado. Jean Jacques Rousseau é igualmente totalitário: “Há, portanto, uma profissão de fé puramente civil, cujos artigos devem ser fixados pelo Soberano… Se alguém, havendo publicamente reconhecido esses dogmas, se comporta como se não acreditasse neles, deve ser punido com a morte”.
Se as liberdades individuais fossem tão evidentes quanto disse Jefferson, não teria Rousseau reconhecido elas? Se pudessem ser aprendidas pela observação da natureza, teriam passado despercebidas de Aristóteles? E em qualquer caso, não haveria então uma concordância bastante ampla sobre o que detalhadamente essas leis são? Jefferson pensava que todos os homens são criados iguais; Aristóteles acreditava que alguns nascem para ser escravos. Tomás de Aquino argumentou que todas as coisas para as quais o homem tem uma inclinação natural são naturalmente apreendidas pela razão como sendo boa; mas Duns Scotus replicou que isso não deixa nenhum método para determinar se uma inclinação é natural ou não natural.
David Hume e John Stuart Mill também, em suas críticas ao argumento da existência de Deus, lançam dúvidas sobre a teoria. Naquelas passagens em que enfatizar as injustiças no mundo — e Mill em particular faz isso vigorosamente — mostram claramente a dificuldade, ou antes a impossibilidade, de descobrir pela razão humana qualquer justiça perfeita na natureza.
Embora Hume e Mill tenham má reputação entre os cristãos devotos, seu ataque à teologia natural pode ser uma bênção disfarçada. Sua insistência na injustiça e miséria observáveis são, quando menos, um reconhecimento ainda que não intencional da existência do pecado no mundo. Com muita frequência, filósofos com cegueira otimista ignoram ou minimizam o pecado.
Ora, uma das deficiências teoréticas da teologia natural e da ética natural é sua pressuposição de que a razão humana não foi depravada ou distorcida pelo pecado e permanece sendo um observador competente e imparcial. O cristão ortodoxo não tem o desejo de negar que Deus, na criação, escreveu a lei moral básica no coração do homem. Ainda assim, essa consciência age de uma certa maneira. Por exemplo, ocorrem experiências de culpa, embora elas possam se dar com pouca frequência, autorrecomendações também ocorrem — com maior regularidade; e ambas são com frequência avaliadas indevidamente. A lei política natural e a lei moral pessoal, portanto, podem ser mal discernidas, se mesmo isso.
Assim, César, Napoleão e Stálin podem se orgulhar dos seus crimes. Olhando atentamente a natureza e vendo-a vermelha em dentes e garras, eles podem concluir que o Universo é indiferente ao destino de qualquer indivíduo e que o bruto governar os mansos é uma lei da natureza. Existem inclinações naturais para o domínio e uma vontade para o poder. E se Tomás de Aquino diz o contrário, ele não pode ver direito e raciocina como um gentilhomme burguês.
Se agora nos afastamos da natureza para ler a revelação especial, a ambiguidade e a confusão são substituídas por princípios claramente definidos. Em contraste com as nações pagãs do entorno de Israel — um contraste a ponto de ser ininteligível a Jezabel —, Acabe não podia expropriar legalmente a vinha de Nabote. Aqui, por exemplo, existe a sanção divina sobre a propriedade privada e, portanto, os direitos dos indivíduos e uma limitação do Governo. Em outro exemplo, Daniel desafiou as leis religiosas de Nabucodonosor. E Pedro disse: “Antes, importa obedecer a Deus do que aos homens” (At 5.29).
Essas breves considerações indicam que a teoria da lei natural não é uma defesa teorética satisfatória dos direitos individuais e das minorias. A razão humana, isto é, a observação ordinária da natureza, leva mais facilmente ao totalitarismo do que a qualquer outra coisa que não a anarquia. Mas a aceitação da Palavra de Deus justifica um Governo limitado.
Infelizmente isso é apenas uma justificação teorética; não é uma garantia civil. Ela não impede, na verdade não tem impedido, tiranias na história. O que é necessário para proteger nossos direitos inalienáveis é uma aceitação popular do princípio bíblico. Só quando um segmento determinado e reivindicante da população forçar os políticos famintos de poder a restringirem suas ambições, só quando a vontade do povo puder reduzir os orçamentos, relaxar os controles e eliminar as políticas eleitoreiras, só então a tendência do século XX para o comunismo poderá ser desacelerada.
Por muito tempo possa nossa terra ser brilhante,
Com a luz santa da liberdade:
Proteja-nos pelo Teu poder,
Grande Deus, nosso Rei.¹
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¹ Este artigo do dr. Clark foi originalmente publicado em Christianity Today, 24 de julho de 1957.
— Gordon H. Clark. Ensaios sobre Ética e Política. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2018, pp. 247–252.