O Argumento Cosmológico
Gordon H. Clark

Tomás de Aquino rejeitou o molde platônico da teologia de Agostinho e baseou seu pensamento em Aristóteles. Portanto, ele não tinha tempo para o argumento ontológico, mas reconstruiu o argumento cosmológico. Referindo-se novamente ao conhecimento, a diferença entre esses dois argumentos é basicamente uma diferença em epistemologia: para Agostinho, não era necessário começar com a experiência sensorial, pois alguém poderia ir diretamente da alma até Deus; mas Aquino escreveu: “O intelecto humano… é a princípio uma tábua branca sobre a qual nada está escrito” (Summa Theologica I, Q:97, 2). É a sensação que escreve na tabula rasa. A mente não tem nenhuma forma de si mesma. Todo o seu conteúdo vem da sensação. Sobre essa base, Tomás deu cinco argumentos para a existência de Deus; mas os primeiros quatro são quase idênticos, e o quinto é tão pouco diferente que apenas o primeiro será reproduzido aqui:
A primeira e mais manifesta via é a procedente do movimento; pois, é certo e evidente pelos nossos sentidos, que algumas coisas estão em movimento neste mundo. Ora, todo o movido, por outro o é movido. Porque nada é movido senão enquanto potencial, relativamente àquilo a que é movido, e um ser move enquanto em ato. Pois mover não é senão levar alguma coisa da potência ao ato; assim, o cálido atual, como o fogo, torna a madeira, cálido potencial, em cálido atual e dessa maneira, a move e altera. Ora, não é possível uma coisa estar em ato e potência, no mesmo ponto de vista, mas só em pontos de vista diversos; pois, o cálido atual não pode ser simultaneamente cálido potencial, mas, é frio em potência. Logo, é impossível uma coisa ser motora e movida ou mover-se a si própria, no mesmo ponto de vista e do mesmo modo, pois, tudo o que é movido há de sê-lo por outro. Se, portanto, o motor também se move, é necessário seja movido por outro, e este por outro. Ora, não se pode assim proceder até ao infinito, porque não haveria nenhum primeiro motor e, por consequência, outro qualquer; pois, os motores segundos não movem, senão movidos pelo primeiro, como não move o báculo sem ser movido pela mão. Logo, é necessário chegar a um primeiro motor, de nenhum outro movido, ao qual todos entendem ser Deus.
A primeira coisa a ser notada é que esse é um argumento formal. Tomás pretendia que ele fosse uma demonstração conclusiva de que Deus existe. Ele não é uma coleção de evidências que tornam plausível crer em Deus. É uma análise da experiência sensorial com a conclusão de que somente Deus pode explicá-la. Longe de ser uma lista de evidências, ele apela somente ao seixo que desce colina abaixo ou à bola de gude que rola no chão. Ele reivindica provar conclusivamente que sobre essa base Deus deve necessariamente existir. É uma questão de necessidade lógica.
Cinco objeções podem ser feitas contra esse argumento cosmológico. Primeiro, a premissa original diz: “É certo e evidente pelos nossos sentidos, que algumas coisas estão em movimento neste mundo”.
O empirismo talvez seja uma visão do senso comum. Ele tem sido também a visão de muitos filósofos. Mas ele enfrenta objeções insuperáveis. Em primeiro lugar, os sentidos dos homens e dos animais produzem dados conflitantes. Cachorros, por exemplo, são supostos serem daltônico, mas eles têm sensações de audição quando os homens não ouvem nada. Quanto a isso, os homens diferem entre si mesmos. Os artistas esotéricos vêm cores na grama que nenhum homem comum encontra ali. Quais dessas sensações representam corretamente o objeto visto? Em alguns casos os sentidos contradizem uns aos outros, como quando a metade de uma vareta é submersa e olhando para ela você a vê entortada, mas a sente reta. Então há miragens e outras ilusões óticas. Quando elas terminam, não podemos dizer que elas eram ilusões; e não podemos dizer se nossas presentes sensações são ilusões. Novamente, estamos sonhando ou não? Um livro-texto elementar sobre psicologia descreveria muitos desses fenômenos, com o resultado de que é impossível confiar no que chamamos de percepção sensorial. Além disso, a teoria da imaginação, pela qual os sentidos são supostos serem preservados e mais tarde elevados à conceitos, colapsa com o fato de que algumas pessoas não têm imagens. Muitas pessoas carecem de imagens olfatórias ou tatuais; alguns também carecem de imagens visuais. Mas alguns deles são estudiosos habilidosos.
A segunda objeção nota que a passagem citada é mais um sumário do que um argumento completo. De fato, o argumento completo incluiria uma maior quantidade de física e metafísica. Por exemplo, a segunda, terceira e quarta sentenças no argumento citado precisam de extensa substanciação. A extensão poderia cobrir centenas de páginas, tanto em Aristóteles como em Aquino. Para o argumento cosmológico ser válido, todos os argumentos subsidiários devem ser válidos. Agora, enquanto isso seja teoricamente possível, não é provável. Certamente Aristóteles e Aquino devem ter cometido um engano em algum lugar. E um engano quebra a corrente de consequências. Naturalmente, alguém está seguro de se queixar que isso é injusto e evita a questão. Para evitar essa acusação, pode ser apontado que os dois filósofos usam o conceito de potencialidade. Aristóteles precisava do conceito de potencialidade para definir o movimento. Mas no terceiro livro de Physics, onde Aristóteles levanta esse problema, ele não somente define movimento por potencialidade, mas ele também explica a potencialidade pelo conceito de movimento. Se o estudante quiser gastar tempo, ele pode estudar o livro Physics de Aristóteles para determinar se o argumento é circular ou se há quaisquer outras falhas nos livros quatro a oito.
A terceira objeção pode ser vista no próprio sumário. Perto do fim, Aquino fala sobre uma série de movimentos e motores, e diz que essa série não pode ser até o infinito. A razão pela qual ela não pode ir até o infinito é que se ela o fosse, não haveria nenhum primeiro motor. Mas desafortunadamente o argumento como um todo reivindica provar que há um primeiro motor. Portanto, Aquino usou para uma de suas premissas a própria proposição que ele queria como a conclusão.
A quarta objeção é mais complicada. Porque Aquino sustenta que a existência de Deus é idêntica à sua existência, o que não é verdade de qualquer outro objeto de conhecimento, ele deve asseverar que nenhum predicado pode ser atribuído a Deus no mesmo sentido que é dito de seres criados. Quando tanto o homem como Deus são ditos serem bons, ou racionais, ou conscientes, ou qualquer outra coisa, as palavras bom e consciente não significam a mesma coisa nos dois casos. Se Deus é um motor e o homem é um motor, a palavra motor não significa a mesma coisa. Não apenas isso, mas como a existência e a essência de Deus são idênticas, o verbo ser não tem o mesmo significado nos dois casos. Se dissermos que Deus é bom, nem o bom nem o é significam o que eles significam no mundo criado. Por conseguinte, quando dizemos que Deus existe, essa existência não significa existência no mesmo sentido que usamo-la para seixos ou bolinhas de gude. Ora, num argumento válido, os únicos termos que podem ocorrer na conclusão são aqueles que ocorrem nas premissas. Se algum elemento adicional é acrescentado na conclusão, o silogismo é uma falácia. Mas o argumento cosmológico começa com uma existência de um seixo ou de algum objeto sensorial que se movimenta. Ele termina, contudo, com uma existência que é diferente. Portanto, o argumento é falacioso. O significado diferente da palavra na conclusão não pode ser derivado do seu significado original nas premissas.
Agora, finalmente, a quinta objeção é diretamente contra a última sentença do argumento, que é “ao qual todos entendem ser Deus”. Mas isso não é o que todos entendem ser Deus. Particularmente os cristãos negam que isso seja Deus. Aquino reivindica ter provado a existência de um primeiro motor, um primum movens, um ens perfectissimum, ou até mesmo um summum bonum. Mas esses neutros não são satisfatórios para um conceito do Deus vivo das Escrituras, que se autorrevelou. Pode até ser dito que se o argumento cosmológico fosse válido, o Cristianismo seria falso. O Deus da Bíblia é uma Trindade de Pessoas. Nenhuma forma do argumento cosmológico jamais demonstrou a existência desse único Deus verdadeiro.
A despeito dessas objeções, católicos romanos continuam a depender do argumento cosmológico, assim como a maioria dos luteranos, e alguns calvinistas também o defendem. J. Oliver Buswell Jr. foi um desses, pelo menos nos seus escritos mais antigos, embora ele pareça ter tido concordado mais tarde que ele não é estritamente válido. Cornelius Van Til, do Westminster Seminary, Filadélfia, faz fortes declarações sobre a validade do argumento. Buswell acusou Van Til de depreciar as evidências objetivas para o Cristianismo e de menosprezar o argumento cosmológico. Van Til respondeu em seu livro A Christian Theory of Knowledge (291–292) e acusou Buswell de formular o argumento incorretamente. Citando parcialmente de uma das suas obras anteriores, Common Grace, ele diz:
O argumento para a existência de Deus e para a verdade do Cristianismo é objetivamente válido. Não deveríamos rebaixar a validade desse argumento para o nível da possibilidade. O argumento pode ser pobremente declarado e pode nunca ser adequadamente declarado, mas em si mesmo o argumento é absolutamente legítimo… Consequentemente, eu não rejeito as provas teístas, mas meramente insisto em reformulá-las duma forma que não comprometa a Escritura. Isto é, se a prova teísta for construída como deve ser construída, ela será objetivamente válida.
Essa afirmação de que o argumento cosmológico é válido, absolutamente legítimo, uma demonstração formal, e não meramente um argumento de probabilidade, não é verdade de nenhum argumento cosmológico publicado em qualquer livro. Van Til não presta atenção às falácias entranhadas em Tomás de Aquino. O argumento que ele defende é aquele que ninguém jamais escreveu. Mas como ele sabe que é possível formular esse argumento ideal? Qual é o argumento que ele defende? Ele diz que insiste em formulá-lo corretamente. Há muitos anos alguns contemporâneos de Van Til o têm desafiado a produzir essa reformulação sobre a qual ele insiste. Ele não fez isso.
Visto que Van Til e Buswell, na passagem citada, estão engajados em recomendar um método de pregar o Evangelho aos incrédulos, é duplamente lamentável que Van Til não possa justificar sua posição, pois não se pode esperar que os incrédulos fiquem impressionados com o argumento que o próprio evangelista é incapaz de apresentar a eles.
— Gordon H. Clark. The Cosmological Argument. The Trinity Review, setembro de 1979. Tradução: Luan Tavares (30/06/2020).