O Conhecimento do Homem em Relação ao de Deus
Gordon H. Clark

Os professores acima referidos¹ afirmam que “há uma diferença qualitativa entre o conteúdo do conhecimento de Deus e o conteúdo do conhecimento possível ao homem” (The Text, p. 5, col. 1). Que há uma diferença qualitativa muito importante entre a situação do conhecimento no caso de Deus e a situação do conhecimento para o homem, não pode ser negado sem o repúdio de todo teísmo cristão. Deus é onisciente, seu conhecimento não é adquirido, e seu conhecimento de acordo com a terminologia comum é intuitivo enquanto o conhecimento do homem é discursivo. Estas são algumas das diferenças, e sem dúvida a lista poderia ser estendida. Mas, se tanto Deus como o homem conhecem, deve haver pelo menos um ponto de similaridade apesar dessas diferenças, pois se não há nenhum ponto de similaridade entre eles, então será inapropriado usar o termo conhecimento para ambos casos. Se este ponto de similaridade é encontrado no conteúdo do conhecimento ou se o conteúdo do conhecimento difere, dependerá sobre o que se quer dizer pelo termo conteúdo. Assim, declarações mais especialmente formuladas são necessárias. A teoria em discussão continua a dizer: “Não nos atrevemos a manter que o conhecimento de Deus e o nosso conhecimento coincidem em qualquer ponto singular” (ibid, p. 5, col. 3); e os autores repudiam qualquer outra visão onde a base seja que “uma proposição tenha que ter o mesmo significado para Deus como para o homem” (ibid, p. 7, col. 3). Estas declarações não são de forma alguma vagas. A última delas identifica o conteúdo e o significado, para que o conteúdo do conhecimento de Deus não seja seu caráter intuitivo, por exemplo, mas sim o significado da proposição, como Davi matou Golias. Duas vezes se nega que uma proposição possa significar a mesma coisa para Deus e para o homem; e a fim de torná-la inconfundível eles dizem que o conhecimento de Deus e o conhecimento do homem não coincidem em qualquer ponto singular. Aqui ficará repetitivo dizer que se não há nenhum ponto singular de coincidência então não faz sentido usar o único termo conhecimento para ambos, Deus e o homem. Quando Spinoza atacou o cristianismo ele argumentou que era totalmente equivocado aplicar o termo intelecto tanto para Deus como para o homem, da mesma forma que seria se o termo cachorro fosse aplicado tanto para um animal de quatro patas que late como para uma estrela no céu. Nesse caso, portanto, se conhecimento for definido, ou Deus sabe e o homem não pode saber ou o homem sabe e Deus não pode saber. Se não há nenhum ponto singular de coincidência, Deus e o homem não podem ter a mesma coisa, isto é, conhecimento.
Depois que esses cinco professores assinaram este pronunciamento cooperativo, alguns deles publicaram uma mesma explicação em que disseram: “O homem pode saber, e sabe, da mesma verdade que está na mente divina… [mas] quando o homem diz que Deus é eterno ele não pode ter em mente uma concepção de eternidade que é idêntica ou coincidente com o próprio pensamento de Deus sobre eternidade” (A committee for the Complainants, The Incomprehensibility of God, p. 3). Nessa declaração explanatória é afirmado que a mesma verdade pode ocorrer, e realmente ocorre, tanto na mente do homem como na mente de Deus. Isso significa que há pelo menos um ponto de coincidência entre o conhecimento de Deus e o nosso. Mas, enquanto eles parecem se retratar de sua antiga posição em uma linha, eles reassumem ela no que se segue. Parece que quando o homem diz que Deus é eterno ele não pode ter em mente o que Deus quis dizer quando assumiu a sua própria eternidade. Provavelmente o conceito de eternidade é um exemplo permanente para todos conceitos, de modo que a posição geral seria a de que nenhum conceito pode ser predicado a um sujeito pelo homem no mesmo sentido em que é predicado por Deus. Mas se um predicado não pode significar a mesma coisa para o homem da forma como significa para Deus, e se o significado de Deus é o único correto, então segue-se que o significado do homem é incorreto e, portanto, ele é ignorante da verdade que está na mente de Deus.
Essa negação da predicação unívoca não é peculiar somente aos professores mencionados, nem é necessário considerar os neo-ortodoxos particularmente. Apesar da abordagem ser diferente, o mesmo resultado é encontrado em Tomás de Aquino. Esse erudito medieval, cuja filosofia recebeu a sanção papal, pensou que nenhum predicado pode ser univocadamente aplicado para Deus e para seres criados. Mesmo a conjunção é não pode ser usada univocadamente nestas duas referências. Portanto, quando um homem pensa que Deus é bom ou eterno ou poderoso, ele não apenas está querendo dizer alguma coisa diferente do que Deus quis dizer por bom, eterno ou poderoso, mas pior, se é que isso pode ficar pior, ele está querendo dizer qualquer coisa diferente ao dizer que Deus é. Desde que as criaturas temporais não possam conhecer a essência eterna de Deus, nós também não podemos conhecer o que Deus quer dizer quando ele afirma sua própria existência. Não há nenhum ponto de coincidência singular entre o significado de existência para Deus e para o homem. Os escolásticos e os neo-escolásticos tentaram disfarçar o ceticismo dessa posição argumentando que apesar dos predicados não serem unívocos, eles também não eram equívocos, mas sim análogos. Os cinco professores também afirmaram que o “conhecimento [do homem] deve ser analógico ao conhecimento que Deus possui” (The Text, p. 5, col. 3). Contudo, um apelo a analogia, embora possa disfarçar o ceticismo, não pode removê-lo. Analogias ordinárias são úteis e legítimas, mas somente quando há um ponto unívoco de significado coincidente para ambas partes. Pode-se dizer que um remo de canoa é analógico a uma roda de remos propulsores de um barco; o remo de uma canoa pode ser até mesmo analógico as hélices de um navio; mas isso é assim por causa do elemento unívoco. Essas três coisas, o remo de canoa, a roda de remos do barco, e as hélices do navio, são univocadamente dispositivos da aplicação de força para mover barcos através da água. Sem um elemento unívoco, uma alegada analogia é puro equívoco, e o conhecimento analógico é completa ignorância. Mas se há um elemento unívoco, podese dizer até mesmo para um selvagem primitivo que as hélices do navio são análogas aos remos da canoa, e ele aprenderá alguma coisa. Ele pode não saber muito sobre hélices, e comparado a um engenheiro ele seria quase completamente ignorante — quase, mas não o bastante. Ele poderia ter alguma ideia sobre girantes, e sua ideia poderia ser literalmente verdadeira. O engenheiro e o selvagem teriam um pequeno ponto de conhecimento em comum. Mas sem qualquer ponto em comum, ambos não poderiam dizer que conhecem. Para ambas pessoas conhecerem, a proposição deve ter o mesmo significado para ambos. E isso vale igualmente para Deus e o homem. Se Deus tem a verdade e se o homem tem somente uma analogia dela, segue-se que o homem não tem a verdade. Uma analogia da verdade não é a verdade; e mesmo se o conhecimento do homem for tido como uma analogia da verdade ou uma verdade analógica, a situação ainda na muda. Uma verdade analógica, a não ser que contenha um unívoco ponto de significado coincidente, simplesmente não é de todo verdade. Em particular, e mais esmagador ainda, se a mente humana está limitada a verdades analógicas, nunca poderá conhecer a verdade unívoca, pois estaria limitada as analogias. Mesmo se for verdadeiro que o conteúdo do conhecimento humano seja analógico, um homem não poderia saber que esse é o caso: ele teria apenas uma analogia de que o seu conhecimento seria analógico. Portanto, essa teoria que pode ser encontrada em Tomás de Aquino, Emil Brunner, ou conservadores professos, é um ceticismo relutante, e é incompatível com a aceitação de uma verdade divina revelada. Este ceticismo relutante é claramente indicado em uma declaração feita num encontro público, e relatada em uma carta datada em 1 Março de 1948 pela Directors of Covenant House. A declaração foi feita, questionada, e reafirmada por um dos escritores mencionados anteriormente em que a mente humana é incapaz de receber qualquer verdade; em que a mente humana nunca pode obter qualquer verdade em tudo. Tal ceticismo deve ser completamente repudiado se nós desejamos salvaguardar a doutrina da revelação verbal.
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¹ Nota do Tradutor: Van Til e seus associados.
— Gordon H. Clark. God’s Hammer: The Bible and Its Critics. New Mexico: Trinity Foundation, 1987, págs. 30–34. Traduzido por: Dione Cândido Jr.