Os Problemas do Irracionalismo

O irracionalismo, promovido por homens como Søren Kierkegaard (1813–1855), Friedrich Schleiermacher (1768–1834) e por teólogos neo-ortodoxos, é uma forma de ceticismo. Ele é antirracional e anti-intelectual. A verdade, dizem os céticos, jamais pode ser alcançada; as tentativas racionais de explicar o mundo são desesperadoras. Não se pode comunicar a realidade por meio de proposições, mas ela deve ser captada “de modo pessoal e apaixonado” (Kierkegaard): a verdade deve ser buscada nas experiências interiores, isto é, subjetivamente.
Embora ninguém possa saber se há um deus que dá propósito e significado à vida, dizem os irracionalistas, a pessoa deve dar um “salto de fé” (Kierkegaard); deve viver a vida como se houvesse um deus, um ser supremo, um universo com significado etc., pois não fazê-lo seria pior (Immanuel Kant). Descrevemos anteriormente a razão sem fé, aqui encontramos a “fé sem razão”.²²
O irracionalismo se manifesta nos círculos teológicos mediante a neo-ortodoxia de Karl Barth (1886–1968), Emil Brunner (1899–1966), e muitos outros menos influentes. Para Barth e Brunner, a verdade é subjetiva. A lógica é desdenhada, a “fé” deve “restringir a lógica”. Além disso, dizem que a lógica de Deus é diferente da “mera lógica humana”. A neo-ortodoxia reverencia o paradoxo e demanda a crucificação do intelecto. Nessa “teologia do paradoxo”, Deus pode até nos ensinar por meio de declarações falsas. A contradição é até ressaltada por Brunner como marca da verdade.²³
O problema aqui é que ao divorciar a lógica da epistemologia, a pessoa fica sem nada. O ceticismo se contradiz, pois afirma que nada pode ser conhecido. Certamente, se nada pode ser conhecido, não se pode saber que não se sabe nada. Já o teísmo cristão afirma que Deus é a própria verdade (Sl 31.5: Jo 14.6, 1Jo 5.6), e que a verdade é lógica. A lei da contradição é um teste negativo da verdade; se algo é contraditório, então não pode ser verdadeiro. A lei da contradição — algo não é não algo — não deve ser considerada apenas uma lei formal ou uma estipulação arbitrária usada para elaborar sistemas de pensamento. A lei da contradição é uma lei do pensamento humano por ser em primeiro lugar uma lei da realidade, ou seja: “Deus pensando”.²⁴
De fato, a Biblia diz que Jesus Cristo é a lógica (Logos) de Deus (Jo 1.1);²⁵ ele é a Razão, a Sabedoria e a Verdade encarnadas (1Co 1.24–30: CI 2.3; Jo 14.6). As leis da lógica não foram criadas por Deus ou pelo homem; elas são a forma como Deus pensa. E visto que as Escrituras são parte da mente de Deus (1Co 2.16), elas são os pensamentos lógicos de Deus. A Bíblia expressa a mente de Deus de forma logicamente coerente para a humanidade.
O homem, como imagem de Deus, possui a lógica inerentemente como parte dessa imagem. O homem é “sopro de Deus” (Gn 2.7: Jó 33.4), pois o Espírito de Deus soprou no homem seu espírito ou mente, que é a imagem. O corpo do homem não é a imagem; o corpo é o instrumento da alma ou espírito. A pessoa, disse o dr. Clark, é o espírito, a mente, “o ego pensante”. Raciocinar de forma lógica, então, é raciocinar de acordo com a Escritura, que é parte dos pensamentos lógicos de Deus. E visto que todos os atos e palavras pecaminosos começam com pensamentos pecaminosos, a santificação do homem envolve aprender a pensar como Deus pensa — de maneira lógica. O homem redimido mais e mais pensa os pensamentos de Deus (2Co 10.5). Para citar o dr. Clark: “A lógica é fixa, universal, necessária e insubstituível. A irracionalidade contradiz o ensino bíblico do princípio ao fim. O Deus de Abraão, Isaque e Jacó não é insano. Deus é um ser racional, a arquitetura de cuja mente é a lógica”.²⁷
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²² Religion, Reason and Revelation, p. 69–87.
²³ God’s Hammer, p. 113–9
²⁴ The Johannine Logos, p. 25, 59ss; Three Types of Religious Philosophy, p. 93ss; De Tales a Dewey, cap. 2; Lectures on Apologetics, fitas 9,10.
²⁵ Em um dia e uma época em que o irracionalismo é tão prevalecente, até mesmo nos círculos cristãos, algumas pessoas ficaram enfurecidas quando o dr. Clark afirmou a partir de Jo 1.1 que Deus é lógica. Alguns têm acusado o dr. Clark nesse ponto de ser um racionalista puro, como se ele estivesse reduzindo a segunda Pessoa da divindade à sua própria noção de lógica empobrecida e trancada. O dr. Clark estava dizendo que com Deus e com sua Palavra há coerência, consistência e unidade. A lógica é a arquitetura da mente de Deus. A lógica é a forma usada por Deus para pensar e falar.
²⁶ “God and Logic”, The Trinity Review, November/December de 1980.
²⁷ “God and Logic”, p. 4.
— W. Gary Crampton. O Escrituralismo de Gordon Clark. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2012, p. 29–31.