Os Problemas do Racionalismo
W. Gary Crampton

O dr. Clark definiu o racionalismo como a “razão sem fé”. Ou seja, a razão à parte da revelação ou experiência sensorial, fornece a fonte primária, ou única, da verdade. Os sentidos não são confiáveis, e o conhecimento apriorístico (existente antes de qualquer observação ou experiência) deve ser aplicado à experiência para torná-la inteligível.
No escrituralismo, o conhecimento advém da lógica, à medida que a pessoa estuda as proposições reveladas da Escritura, entende-as e traça implicações a partir delas. No racionalismo puro, contudo, o conhecimento advém somente da razão. O pensamento humano sozinho se torna o padrão de juízo de todas as crenças. Mesmo a revelação deve ser julgada pela razão. Uma falsa suposição racionalista é a capacidade humana, à parte da revelação, de chegar ao verdadeiro conhecimento de pelo menos algumas coisas, incluindo-se Deus.
Há vários erros no sistema racionalista. Em primeiro lugar, como os racionalistas admitem, os homens podem raciocinar errado, e na verdade erram. Erros formais na lógica são apenas um exemplo. Em segundo, há a questão do ponto de partida. Onde se inicia o racionalismo puro? Platão (428–348 a.C.), René Descartes (1596–1650), Gottfried Leibniz (1646–1716) e Baruch Spinoza (1632–1677) — todos racionalistas clássicos — tinham diferentes pontos de partida. Platão aparentemente começava com as ideias eternas, Descartes com a dúvida (seu cogito ergo sum),⁴ Leibniz com o sistema de mônadas, e Spinoza, o panteísta, com Deus sive Natura.⁵ Os racionalistas parecem discordar em relação ao axioma apropriado do racionalismo.
Terceiro, como o raciocínio à parte da revelação pode determinar se o mundo é controlado por um Deus onipotente e bom, que nos revelou que dois mais dois são quatro, ou por um demônio onipotente que tem durante todo o tempo nos enganado para crermos que dois mais dois são quatro quando na realidade são cinco? Pior ainda, como Friedrich Nietzsche (1844–1900) argumentou, talvez nossas categorias lógicas e faculdades de pensamento sejam nada mais que necessidades fisiológicas determinadas por forças evolucionárias. O propósito delas não é a descoberta da verdade, mas a sobrevivência do organismo.
Quarto, o racionalismo parece cometer a falácia da afirmação do consequente. Alguns argumentos racionalistas procedem da seguinte forma: caso se comece com a pressuposição P, pode-se justificar a alegação de que se tem conhecimento. Ora, é certo que se tem conhecimento; portanto, a pressuposição P é verdadeira. Essa forma de argumento é a falácia elementar de afirmar o consequente. Um exemplo banal seria: Se a bateria estiver descarregada, o carro não funcionará. O carro, de fato, não funciona; portanto, é verdade que a bateria está descarregada.
Por último, no racionalismo puro, é difícil evitar o solipsismo — a incorporação ou absorção do mundo no “ego” ou “eu”, de forma que o mundo se torna apenas parte da consciência pessoal. Sem a mente (divina) universal de que todas as pessoas e todos os objetos participam, não é possível ao indivíduo reflexivo escapar da própria mente. Essa, ensinava o dr. Clark, é a razão da adoção de alguma forma de argumento ontológico sobre a existência de Deus por parte dos racionalistas.⁶
No século XIX, a tentativa do filósofo alemão Gottfried Wilhelm Friedrich Hegel (1770–1831) de resolver esse problema deu ao racionalismo a Mente Absoluta, mas a Mente da qual uma pessoa não poderia deduzir racionalmente indivíduos. Com Hegel tem-se o desaparecimento do “eu” no Espírito Absoluto ou Mundial. Esse panteísmo também é um fracasso.⁷
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³ Religion, Reason and Revelation, p. 43, 50.
⁴ “Penso, logo existo”. [N. do T.]
⁵ “Deus ou Natureza”. Spinoza cria que Deus e a Natureza eram idênticos. [N. do T.]
⁶ Religion, Reason and Revelation, p. 52.
⁷ V. De Tales a Dewey, caps. 2 e 7; Three Types of Religious Philosophy, cap. 2; Religion, Reason and Revelation, p. 50–4, 65–7.
— W. Gary Crampton. O Escrituralismo de Gordon Clark. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2012, p. 21–24.