Perguntas sobre Kant

Em Review of Metaphysics de junho de 1951,¹ o professor George A. Schrader nos deu um artigo requintado sobre Kant. A construção do pensamento é agradável de entender, e o conteúdo é instrutivo e estimulante. O objetivo deste comentário não é refutar qualquer uma das seis principais alegações listadas sozinhas no final do artigo do professor Schrader, embora talvez possam ser implícitas pequenas modificações da sexta conclusão; antes, o objetivo é questionar alguns dos pontos menores de seu argumento e acrescentar algumas reflexões menores que podem esclarecer um pouco o quadro total.
Na página 520 Schrader diz: “Até agora Kant estabeleceu a universalidade, mas não a necessidade de espaço e tempo”. O contexto dessa sentença não parece alterar seu sentido como citado isoladamente, mas, por razões que tentarei desenvolver, parece-me uma afirmação falsa. Certamente o parágrafo anterior de Schrader não oferece um argumento suficiente para estabelecer conclusivamente a universalidade do espaço e do tempo. No entanto, na página 521 Schrader escreve: “Os argumentos de Kant em Estética não estabelecem que espaço e tempo são necessários ou mesmo que sejam universais para a intuição sensível”. O modo como esta última frase modifica a primeira não é o ponto de interesse. Mesmo que a primeira declaração cause uma impressão mais ampla do que Schrader pretendia, ele continua dizendo que Kant não apoiou seu próprio caso em exemplos de percepção sensorial em que a consciência do espaço e do tempo está envolvida, mas descartando possíveis intuições que não são espaço-temporais criaram uma disputa muito mais forte que “não se baseia em argumentos indutivos”.
Agora, Schrader não apenas repudia a interpretação psicológica das formas de intuição, mas sugere uma interpretação realista e não idealista de Kant. Essa interpretação merece consideração cuidadosa. No entanto, se Kant deve ser tomado como realista, então desejo apresentar, seus argumentos devem se basear na indução. E se Kant não deve ser tomado como realista, ainda assim seus argumentos, como estão escritos na Crítica, são indutivos. As quatro razões a seguir, acredito, pelo menos apontam para essa conclusão.
Primeira: Schrader insiste, com razão, que a teoria do espaço e do tempo de Kant não está completamente inserida na estética. Um dos principais méritos do seu artigo é impressionar-nos com a relação de passagens amplamente separadas sobre a teoria do espaço e do tempo. Por exemplo, embora Schrader não cite explicitamente esta página, Kant, no parágrafo introdutório do Sistema de Todos os Princípios do Entendimento Puro, B 188–189, professa ter feito a intuição, mesmo que o argumento faça os princípios de matemática e intuição concebíveis e deduzirão a possibilidade de tais cognições. E certamente, mesmo se desconsiderarmos as várias dicas nas páginas intermediárias, o Axioma da Intuição, B 202–203, que Schrader cita, explicitamente diz respeito à intuição. Se Kant quer mostrar que todas as intuições são quantidades extensas, ele discute forçosamente o espaço. Adickes observa que o material pertence à Estética, parágrafo 3, isto é, B 40. Mas, a menos que seja tomada como afirmação não fundamentada, o material constitui um argumento indutivo.
Segunda: Schrader distingue, na primeira frase citada, entre universalidade e necessidade. Ele então acrescenta, p. 520, “Talvez deva-se saber [itálico dele] que algo é necessário a fim de saber que é universal, mas uma coisa pode ser universal sem ser necessária”. Além do fato de Kant negar que algo possa ser universal sem ser necessário — veja o ponto três abaixo — , o tema principal levanta problemas de complexidade infinita. Se Kant é realista, pelo menos se ele é mais empirista do que racionalista, ele também não seria um nominalista? Mas, por princípios nominalistas, ao contrário da afirmação de Schrader, seria preciso saber que algo era universal antes de saber que era necessário. E por princípios empíricos realistas, a experiência nunca poderia chegar à universalidade. Portanto, os argumentos de Kant devem ser indutivos e suas conclusões não mais que probabilidades a posteriori.
Mas talvez não devemos depender muito da tese de que Kant era realista. Que o julgamento seja suspenso neste ponto. Ainda assim, em terceiro lugar, a ideia de necessidade em Kant é uma pedra de tropeço. Suponha que seja verdade, com Schrader, que é preciso conhecer a necessidade antes da universalidade. O que é necessidade e como é conhecido? Em Einleitung, B 3ss, a necessidade é mencionada como um critério infalível a priori. O conhecimento da necessidade, portanto, deve preceder o conhecimento do a priori. Alguém pode se perguntar se haveria menos dificuldades em uma teoria que tornasse o conhecimento a priori a condição de conhecimento do necessário. Seja como for, se a necessidade é o critério a priori, é preciso conhecer o significado da necessidade. Agora, muito mais tarde, em análise dos argumentos para a existência de Deus, Kant tem algo a dizer sobre a necessidade. Todos os exemplos de necessidade, ele nos lembra, são extraídos de julgamentos, não de coisas. E julgamentos são necessários quando a negação do predicado forma uma contradição com o sujeito. Mas esse tipo de necessidade, a necessidade lógica comum de um julgamento analítico, é insuficiente para os propósitos de Kant em dois aspectos. Os julgamentos sintéticos a priori são necessários, mas sua necessidade não pode ser desse tipo analítico. E também, se não temos ideia do que a necessidade pode significar no caso de Deus, temos alguma ideia de como o espaço, que também é individual, pode ser necessário? Schrader insiste que a possibilidade de julgamentos sintéticos a priori depende da teoria do espaço; mas a teoria do espaço requer um tipo de necessidade que Kant repudia ao discutir o argumento ontológico ou, na melhor das hipóteses, deixa totalmente inexplicável.
Subjacente a essa dificuldade, parece-me haver uma mudança do pensamento de Kant entre uma lógica intensional e uma extensional. Como oponente empírico do racionalismo dogmático, sua universalidade e necessidade, que, contrariamente à afirmação de Schrader acima, “gehören auch unzertrennlich zueinander”,² B 4, devem ser os resultados prováveis da indução; mas, como apriorista, ele precisa de uma necessidade mais necessária.
Quarta, e relacionado às dificuldades da lógica, Kant faz do espaço uma intuição pura. Ele nunca se cansa de repudiar a intuição intelectual. A intuição intelectual poderia ter-lhe dado a necessidade e a lógica intensional que ele precisava; mas em seu lugar ele coloca a intuição sensorial pura do espaço e do tempo. Schrader, página 528, afirma: “Eu sugeri que o espaço e o tempo são dados na intuição e pretendo insistir em que eles estejam, nesse sentido, no mesmo nível empiricamente com dados intuídos”. O sentido mais aparente dessas palavras ambíguas é difícil de aceitar, pois ninguém viu o espaço como viu a cor. Espaço e cor não estão, obviamente, no mesmo nível em todos os aspectos. Eles não estão no mesmo nível em relação a serem dados por intuição. A cor vista é vista em sua totalidade, mas a infinidade daquele indivíduo, que é o espaço, para sempre impede que seja assim dado na intuição. Se o espaço fosse dado na intuição no mesmo nível empírico da cor, certamente os quatro pontos de Kant em Estética, B 38–40, teriam que ser alterados além do reconhecimento. De qualquer forma, talvez seja concedido que a teoria de Kant da intuição sensorial pura não seja fácil de conceber. De fato, não poderíamos dizer que uma intuição sensorial pura é mais vaga do que duvidosa uma intuição intelectual?
Em conclusão, o verdadeiro problema em expor Kant é que ele é irremediavelmente autocontraditório. Schrader, para manter algumas de suas afirmações, está bastante ciente do fato de que deve descontar ou excluir certos trechos de Kant. De fato, Schrader parece confiar mais nas seções anteriores do que nas seções posteriores. As perspectivas de Kant estavam se desenvolvendo como ele escreveu; os parágrafos introdutórios finais pelos quais ele reuniu suas obras anteriores nem sempre, na verdade geralmente não apresentam a mesma teoria das seções que eles introduzem. As seções anteriores são ricamente sugestivas, por exemplo, a Dedução Transcendental; mas não somos justificados em apontar para tais seções como Kantianismo definitivo. Eles são de fato algo além de uma fase passageira de uma mente que nunca descansou?
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¹ George A. Schrader, “The Transcendental Ideality and Empirical Reality of Kant’s Space and Time”, The Review of Metaphysics, IV (1951), pp. 507–536.
² Nota do Tradutor: “Também pertencem um ao outro inseparavelmente”, em alemão.
GORDON H. CLARK
Butler University.
— Gordon H. Clark. Questions on Kant. The Review of Metaphysics, Vol. V, Nº 3, março de 1952, pp. 473–476. Fonte: http://gordonhclark.reformed.info/wp-content/uploads/2018/06/Questions-on-Kant.pdf
Acesso em 27/01/2020. Traduzido por Luan Tavares.