Tomás de Aquino
Gordon H. Clark

A próxima forma do argumento é a de Tomás de Aquino (1225–1274). Embora igualmente complexa, ela é inferior à de Aristóteles, pois ele introduziu o que pensava ser melhorias cristãs, como uma teoria não aristotélica da analogia. Suas observações sobre a criação, uma ideia totalmente ausente em Aristóteles, também devem ser explicadas. Por essa razão, o presente estudo irá se centrar em Tomás de Aquino. A forma lockeana, e ainda mais a forma atual do argumento, são muito mais simples, ou melhor, simplistas. Devemos olhar para elas depois. Para antecipar: um teólogo contemporâneo admite que o argumento cosmológico da forma como geralmente declarado é inválido, mas nos assegura de que ele pode ser colocado numa forma válida sem as deficiências atuais. As garantias desse teólogo ao longo dos últimos 40 anos não o estimularam a produzir essa forma e a justificar sua confiança. Consequentemente, seguir-se-á um resumo da forma tomista com certas objeções em anexo.
Por cinco vias pode-se provar a existência de Deus. A primeira e mais manifesta é a procedente do movimento; pois, é certo e verificado pelos sentidos, que alguns seres são movidos neste mundo. Ora, todo o movido por outro o é. Porque nada é movido senão enquanto potencial, relativamente àquilo a que é movido, e um ser move enquanto em ato. Pois mover não é senão levar alguma coisa da potência ao ato; assim, o cálido atual, como o fogo, torna a madeira, cálido potencial, em cálido atual e dessa maneira, a move e altera. Ora, não é possível uma coisa estar em ato e potência, no mesmo ponto de vista, mas só em pontos de vista diversos; pois, o cálido atual não pode ser simultaneamente cálido potencial, mas, é frio em potência. Logo, é impossível uma coisa ser motora e movida ou mover-se a si própria, no mesmo ponto de vista e do mesmo modo, pois, tudo o que é movido há de sê-lo por outro. Se, portanto, o motor também se move, é necessário seja movido por outro, e este por outro. Ora, não se pode assim proceder até ao infinito, porque não haveria nenhum primeiro motor e, por consequência, outro qualquer; pois, os motores segundos não movem senão movidos pelo primeiro, como não move o báculo sem ser movido pela mão. Logo, é necessário chegar a um primeiro motor, de nenhum outro movido, ao qual todos dão o nome de Deus.¹
Há quatro ou cinco erros fatais nesse argumento. Claro, o primeiro é o seu empirismo. Tomás disse: “é certo e verificado pelos sentidos…”. Nisto ele segue Aristóteles. Visto que um propósito essencial deste estudo é refutar o empirismo, tudo no estudo deve ser interpretado como uma refutação da dependência tomista da sensação. Isso já basta para refutar a acusação de petição de principio, e podemos, assim, passar para a segunda objeção.
A objeção é que Tomás depende da teoria de Aristóteles da potência e ato. Não é preciso se preocupar que a única água que você pode esquentar é água fria; e que só a água quente pode ficar fria. Mas explicar isso em termos de potência e ato é algo muito diferente. É necessária uma definição desses dois termos. Nem Aristóteles, nem Tomás de Aquino fornecem tal definição. Contudo, uma definição é necessária para definir o movimento que é tão evidente na primeira linha do resumo: “Pois mover não é senão levar alguma coisa da potência ao ato”. Ao invés de definições, esses filósofos dão apenas exemplos, como o aquecimento da água fria.²
Uma terceira objeção diz respeito à teoria não aristotélica da analogia de Tomás. A teoria de Aristóteles é clara e simples: as duas coisas que fazem a analogia têm um elemento unívoco em comum. O adjetivo médico se aplica a um livro, um instrumento, uma pessoa e a uma escola. Todos são médicos, porém de diferentes maneiras. Mas há um elemento unívoco porque todas essas diferentes maneiras se relacionam com a ciência da Medicina. Logo, um argumento em que é usado o termo “ciência da Medicina” pode ser válido porque o termo pode ter na conclusão precisamente o mesmo significado que tem nas premissas. Naturalmente, se um termo tem na conclusão um significado diferente do que tem numa premissa, o silogismo é uma falácia. Ou, em outras palavras, a conclusão de um silogismo válido não pode ter um termo que não seja encontrado nas premissas com o mesmo significado unívoco.
Mas Tomás, embora não Aristóteles, viola essa regra de validade. Por razões teológicas, Tomás nega que Deus existe no mesmo sentido em que tudo o mais existe. A essência de Deus e sua existência são idênticas. Isso não vale para uma pedra ou um homem. Mas sendo esse o caso, a conclusão contém um elemento, um elemento essencial, que não é encontrado nas premissas. Portanto, o argumento de Tomás é uma falácia.
Sem dúvida, Tomás tenta evitar essa crítica. Ele atribui três relações possíveis entre dois termos. Eles podem ser unívocos, podem ser equívocos (neste caso a lei da lógica é violada), mas também podem ser analógicos. Ele reconhece que quando diremos que Deus é sábio e o homem é sábio, o termo sábio não é unívoco. No caso de um homem, a sabedoria não faz parte da sua essência. Em Deus ela faz. Assim, nenhum nome ou qualidade pode ser aplicado a Deus e ao homem no mesmo sentido. Isso é verdade até mesmo para o termo existência. A palavra é na frase “Deus é” não tem o mesmo significado que na frase “Tomás é”. O verbo ser ou existir é diferente nos dois casos. Mas porque uma aplicação estrita desse princípio tornaria qualquer conhecimento de Deus impossível, Tomás diz que os dois significados são analógicos — nem unívocos, nem equívocos. Mas essa afirmação é inteiramente incompreensível. Aristóteles estava certo quando disse que deve haver um elemento unívoco em todos os casos de similaridade. Porém, como para Tomás não há nenhum elemento unívoco, a existência de Deus na conclusão não é a existência do objeto em movimento nas premissas. Seu argumento é, portanto, falacioso.
Como se isso não fosse mais que o suficiente, pode-se notar também a conclusão em si mesma: “ao qual todos dão o nome de Deus”. Karl Barth em algum lugar comentou: “Nenhum cristão reconheceria isso como Deus”. Em outras palavras, se o argumento cosmológico fosse válido, o cristianismo seria falso. Isso é evidente em Aristóteles. Seu deus não é onipresente: ele não conhece o futuro; e não é, portanto, onisciente. E tampouco é o criador. Ele é a Forma eterna de um mundo eterno. Não há criação.
O próprio Tomás reconheceu que nenhum argumento empírico poderia demonstrar a criação divina de um mundo temporariamente limitado. Aqui Tomás está apelando à revelação. Mas ninguém conseguiu demonstrar, por meios empíricos, que a Bíblia é uma revelação e que Gênesis 1 é verdade. Se não podemos certificar os pronunciamentos terrenos da Bíblia, como podemos acreditar nas suas coisas celestiais?
O ponto pode ser reforçado por algumas referências às tentativas mais singelas de apologistas contemporâneos. Uma delas é a escolha que eles oferecem entre o Deus cristão e o acaso cego. Claro, eles nunca definem acaso. Certamente não querem dizer a fração em que o numerador é o número de eventos favoráveis e o denominador o número total de eventos possíveis. A chance de lançar dois dados e conseguir 12 é de 1 em 36. Os apologistas empíricos contemporâneos se mantém longe de tal exatidão.
Ademais, quem são esses secularistas que explicam o Universo pelo acaso? A visão usual é de um mecanismo em que não há acaso, isto é, exceções às equações devidas. Werner Heisenberg pensava que assim era o seu caso, mas cientistas posteriores reconheceram que ele apenas provara que não se pode ao mesmo tempo medir a velocidade e verificar a localização. Assim sendo, o desafio descuidado de que deve ser Deus ou o acaso é inútil.
Essa bobagem é muitas vezes combinada com a ideia de que o mundo deve ter tido uma causa. Uma história sobre Napoleão, que pode bem ser verdadeira, traz ele refutando um ateu ao apontar para as estrelas e perguntar: “Quem as fez?”. Contudo, esse tipo de argumento é uma petição de princípio. Ele assume que não houve uma vez um mundo. Aristóteles claramente afirmou que o mundo sempre existiu. E irrelevante ele ter pensado que o mundo sempre existiu na sua forma atual, com girafas, pinheiros e estrelas. Os materialistas do último século (XIX) Karl Vogt e Ludwig Büchner — não há materialistas hoje — também sustentavam que o mundo nunca começou. Portanto, qualquer evidencialista cristão deve provar pela experiência que o mundo teve um primeiro momento antes de ele, evidencialista cristão, poder indagar sobre a sua causa. Não tenho conhecimento de tal prova. Ademais, sobre fundamentos empíricos não se pode provar a impossibilidade de algo que surja do nada. Talvez ninguém acredite que algo veio do nada; mas muitos acreditam que sempre houve um mundo e que nenhum criador é necessário ou mesmo possível.
O presente autor, naturalmente, considera suas objeções ao argumento cosmológico e ao empirismo tanto sólidas como suficientes. Mas as aplicações destes são inúmeras, e os exemplos usados pelos empiristas variam. Assim, é permissível falar diretamente a alunos que nunca estudaram geometria e que, portanto, pensam que uma linha de giz é um objeto unidimensional ou, mais exatamente, que pensam que uma linha geométrica é um corpo tridimensional. Então havia o professor, não um aluno, que baseava a verdade do cristianismo, ou pelo menos a existência de Deus, na lei da gravitação de Newton. Ele ignorava o fato de que Einstein havia revogado essa lei 80 anos atrás.
Outro exemplo de mal-entendido popular é a referência que cristãos que receberam uma educação pobre fazem ao materialismo atual. Não há materialismo atual, exceto talvez o materialismo dialético dos comunistas. Como mencionado logo acima, Vogt e Büchner fizeram uma defesa vigorosa do materialismo. A influência deles era muito ampla, e seu livro principal passou por muitas (quase vinte, creio eu) edições. Mas embora tão bem recebidas, suas visões desapareceram por volta de 1900. Ernst Mach, Max Planck e, acima de tudo, Albert Einstein enterraram o materialismo em uma explosão de bomba holocáustica. Pode-se discutir o materialismo, se assim se deseja; mas se um apologista acha que está fazendo mais do que registrando a história, ele está apenas padecendo em meio a escombros radicativos. Isso já basta como digressão.
Há ainda outra objeção, muito mais desagradável, ao argumento cosmológico. Como previamente assumido, ela está principalmente baseada na ciência da física. Mas uma vez que um apelo à experiência é feito, nenhuma experiência pode ser excluída do argumento; e a física não é de modo algum a única experiência. Quando Friedrich Schleiermacher apelou para a experiência religiosa, seus oponentes, pelo menos mais tarde, objetaram que ele não deveria ter limitado seu apelo ao protestantismo popular. Ele deveria ter levado em conta a experiência romanista também. E não só isso, deveria ter considerado as experiências encontradas em outras religiões, como o islamismo, xintoísmo e budismo. Nesse sentido, também deveria ter utilizado a experiência ateísta. Para selecionar uma pequena seção de experiência, deve-se assumir algum critério não experimental para excluir as variedades indesejadas. Foi introduzido, assim, o humanismo de Edwin A. Burtt.
Ainda há mais. Não podemos nem mesmo restringir a experiência de Burtt à física e à ética, embora ele faça apelos de valor. Devemos, porém, incluir a história. Não apenas Hitler massacrou cinco ou seis milhões de judeus, Stálin assassinou um número maior de ucranianos. Mao massacrou trinta ou possivelmente cinquenta milhões de chineses e praticamente aniquilou os tibetanos. Para não falar de Genghis Khan, Ivã der Schreckliche, Átila, o Huno, e vários outros. Adicione essas experiências ao movimento de uma bola de gude e veja o que acontece com um argumento que tente provar a existência de Deus com base na experiência. É suficientemente ruim encarar essas atrocidades com base no teísmo, mas não pode haver teísmo com base nessas atrocidades.
Quanto à forma mais cega de empirismo, que ignora o horror da história, os parágrafos anteriores citaram as palavras exatas de alguns empiristas e também fizeram, a título de acréscimo, algumas referências não documentadas. Agora, de forma um tanto superficial, os parágrafos seguintes darão exemplos do ponto de vista oposto. Após essa sondagem esparsa, um procedimento mais lógico poderá ser retomado.
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¹ Tomás de Aquino, Suma Teológica, Vol. 1 (Campinas: Ecclesiae, 2016), p. 39–40.
² Para mais aristotelianismos intrigantes, veja o meu livro Thales to Dewey (Jefferson: The Trinity Foundation, 1989), 275 [ed. port.: De Tales a Dewey (São Paulo: Cultura Cristã: 2012)]. Um desses enigmas é a impossibilidade de um número infinito de corpos estarem em movimento todos ao mesmo tempo.
— Gordon H. Clark. Senhor Deus da Verdade. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2018, pp. 23–30.