A Imagem de Deus
Gordon H. Clark

A imagem de Deus no homem é afirmada, mas não explicada com precisão em Gn 1:26–27; 5:1; 9:6; I Co. 11:7 e Tg 3:9. Algo como uma explicação vem em Cl. 3:10 e Ef. 4:24, onde se pode inferir que a imagem consiste em conhecimento ou racionalidade e retidão ou santidade, da qual procede o domínio sobre as criaturas. Rm 8:29 confirma isso ao descrever a salvação como um processo de conformar o santo predestinado à imagem de Cristo.
Outras passagens também, como Hb. 2:6–8 com seu apelo ao Sl. 8 e At. 17:26–29, são exemplos e contribuem pelo menos implicitamente para a doutrina. Quando, também, os filósofos empíricos negam ideias inatas, corrupção herdada e formas a priori da mente, Rm. 2:15 e Sl. 51:5 dão a resposta bíblica.
Para evitar erros, deve-se notar que a imagem não consiste no corpo do homem. Primeiro, os animais têm corpos, mas não foram criados à imagem de Deus. Segundo, Deus é espírito e não tem corpo; razão pela qual a idolatria é pecado (Rm 1:23).
O homem não é duas imagens, como uma exegese fantasiosa interpretaria imagem e semelhança em Gênesis 1:26. Observe que semelhança não é repetida em Gênesis 1:27. A imagem única também não pode ser dividida em partes. O domínio sobre as criaturas não é uma parte a mais, mas uma das funções da racionalidade unitária. Nem mesmo a moralidade é uma segunda parte, como se conhecimento e retidão fossem dois componentes. A ação justa é uma função da imagem unitária. Com efeito, a imagem unitária não é algo que o homem possua: a imagem é o homem. “O homem é a imagem e a glória de Deus” (I Co. 11:7).
A razão pela qual alguns teólogos têm afirmado uma dualidade na imagem, ao invés da unidade da pessoa e a pluralidade de suas funções, é a ocorrência do pecado. Visto que Adão permaneceu Adão após a queda, esses teólogos pensaram que alguma parte da imagem havia sido perdida. Infelizmente, essa visão permite que a parte restante do homem seja intocada pelo pecado e, portanto, entra em conflito com a doutrina da depravação total.
Embora homens pecadores, especialmente homens muito pecadores, não pareçam ser a imagem de Deus, esses homens não poderiam pecar a menos que fossem. O pecado pressupõe racionalidade e decisão voluntária. O pecado sempre começa no pensamento. Adão pensou, incorretamente, mas mesmo assim pensou que seria melhor juntar-se a Eva na desobediência do que obedecer a Deus e ser separado dela. O pecado interferiu, mas não impede o pensamento. Ele não erradica a imagem, mas causa seu mau funcionamento. A responsabilidade (qv.) depende do conhecimento. Os animais não podem pecar e não são moralmente responsáveis porque não são criaturas racionais ou intelectuais. Portanto, o homem permanece a imagem de Deus mesmo depois da queda.
A imagem deve ser razão ou intelecto. Cristo é a imagem de Deus porque ele é o Logos ou Sabedoria de Deus. Este Logos ilumina todo homem que vem ao mundo. O homem deve ser racional para ter comunhão com Deus. II Pedro 1:2–8; 2:20; 3:18 enfatiza o conhecimento e afirma que o meio pelo qual Deus nos concede todas as coisas que dizem respeito à vida e à piedade é a teologia — nosso conhecimento dele. Essa ideia é importante para o final do século XX, quando os teólogos dialéticos negam a imagem de Deus no homem, chamando Deus de Totalmente Outro, ou definem imagem ridiculamente como a distinção sexual entre homem e mulher (Karl Barth), e insistem que Deus não pode colocar sua “verdade” em linguagem, negando assim que as Escrituras são revelação e até mesmo reduzindo-as a falsos indicadores de algo incognoscível.
As objeções seculares à imagem de Deus no homem podem ser baseadas apenas em uma filosofia geral não teísta. A evolução vê o homem como um desenvolvimento natural de nêutrons e prótons, através de plantas e animais, até que na África, Ásia e nas Índias Orientais surgiu o ser humano. Portanto, a evolução não pode insistir na unidade da raça humana como o Cristianismo faz em Atos 17:26.
A evolução como princípio explicativo deve se aplicar tanto à mente quanto ao corpo. Não pode haver imagem divina, nem princípios eternos, nem verdade ou lógica fixa. A mente opera apenas com os resultados práticos da adaptação biológica. A razão é simplesmente um método humano de lidar com as coisas. O homem anterior tinha e o homem futuro terá outras formas de lógica. O silogismo chamado Bárbara¹ é válido agora, mas se tornará uma falácia depois de um tempo.
Se for assim, isto é, se os evolucionistas usaram a lógica evolutiva nos séculos XIX e XX para sustentar sua teoria, então seus argumentos se mostrarão falaciosos no próximo avanço evolutivo e a evolução será então uma falácia.
Somente a doutrina bíblica torna possível a verdade eterna (e a “verdade” que não é eterna não é verdade). A razão torna possível tanto o pecado quanto a comunhão com Deus. O pecado causou um mau funcionamento da mente do homem, mas a redenção renovará os homens em conhecimento, retidão e santidade, de modo que no céu não cometeremos mais erros nem mesmo em aritmética.
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¹ Nota do Tradutor: “Bárbara” é um termo da lógica aristotélica que designa o modo AAA da primeira figura do silogismo.
— Gordon H. Clark. Image of God. Baker’s Dictionary of Christian Ethics. Carl F. H. Henry, ed. Washington D. C.: Canon Press, 1973. Tradução: Luan Tavares (02/07/2023).
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