Considerações Sobre o Ceticismo

“Uma Visão Cristã dos Homens e do Mundo”, de Gordon H. Clark.

Gordon H. Clark
3 min readJun 17, 2023

Há muito conforto no ceticismo. Se a verdade é inalcançável, então não é preciso sofrer as dores de sua procura. Ninguém chegará ao desapontamento de descobrir uma falha em um argumento lapidado com diligência e, até então, confiável. Já não será necessário deitar outro fundamento pesado entre as ruínas de um edifício magnífico. O ceticismo dispensa todo esforço. Pode ser desespero, mas é um desespero bastante confortável. Infelizmente — e o digo com ênfase — , mesmo o conforto do desespero não é permitido ao fatigado pensador, pois, mesmo que nada mais se possa demonstrado, é possível comprovar a falsidade do ceticismo. O ceticismo é o conceito de que nada pode ser demonstrado. Mas como, perguntamos, é possível demonstrar que nada pode ser demonstrado? O cético afirma que nada pode ser conhecido. Em sua pressa, declara a impossibilidade da verdade. E é verdade que a verdade é impossível? Pois, se nenhuma proposição é verdadeira, pelo menos uma proposição é verdadeira — a saber, a proposição de que nenhuma proposição é verdadeira. Se a verdade fosse impossível, portanto, segue-se que nós já a teríamos alcançado.

A partir desse fato, é possível derivar um método de procedimento para discutir o humanismo e o teísmo. Caso se possa demonstrar que a proposição de um sistema filosófico — o aristotelismo e o espinosismo por exemplo — ou que uma proposição em particular, seja um primeiro princípio ou numa questão marginal subsidiária, implique a impossibilidade do conhecimento, então essa proposição ou esse sistema pode ser desconsiderado. O ceticismo refuta a si mesmo por ser internamente contraditório. Sendo o ceticismo verdadeiro, ele é falso. E quando um complexo mais elaborado de ideias é internamente incoerente, ele deve ser rejeitado.

Isso é similar ao método chamado redução ao absurdo na geometria. Propõe-se uma tese para exame, por exemplo de que os ângulos interiores de um triângulo são maiores que 180 graus. A partir dessa premissa, faz-se uma série de deduções, até finalmente demonstrar-se que essa tese implica que um ângulo reto e igual a um ângulo obtuso. Essa conclusão é absurda ou autocontraditória; a lógica pela qual ela foi deduzida a partir da tese é válida portanto, a tese é falsa. Por esse método, o argumento a favor da cosmovisão teísta seria obrigado a examinar o idealismo absoluto de Hegel, o materialismo dialético de Marx, os sistemas de Berkeley e Bergson, e demonstrar sua incoerência. O método de procedimento salienta coerência ou a autoconsistência, e as implicações de cada posição devem ser traçadas até o fim. A redução ao absurdo seria o teste.

A legitimidade desse procedimento causará uma pequena divergência, mas logo serão levantadas objeções quanto à sua insuficiência. Admite-se amplamente que o ceticismo se contradiz e, portanto, deve ser falso. Outros conceitos, em especial as argumentações subsidiárias, também podem ser eliminadas. Mas suponha o que agora parece provável: após todas essas eliminações, três ou mesmo dois sistemas imponentes permaneçam, cada qual coerente, sem conduzir ao ceticismo, mas mutuamente contraditórios. E então? Ora, há uma teoria de que o teste definitivo de verdade é a coerência e, nesta teoria, seria impossível haver duas filosofias coerentes e mutuamente contraditórias. Diz-se que a afirmação falsa, se levada longe o bastante, sempre implicará a própria falsidade. Se essa teoria coerentista da verdade deve ser estabelecida, então podemos depender com confiança dessa aplicação da lei da contradição. Sua suficiência seria inerente à natureza da verdade. O simples fato de que a teoria coerentista da verdade eliminaria o impasse final pode ser razão suficiente para adotá-la. Pode-se sustentar que todas as outras teorias de verdade levam ao ceticismo e que, portanto, só a teoria coerentista é coerente e verdadeira. É possível que tudo isso se confirme, mas com certeza será necessário discutir mais sobre o assunto. E ao discuti-lo, não pode haver objeção lógica ao uso da lei da contradição até seu limite. Talvez, ela ultrapasse o que se espera agora.

— Gordon H. Clark. Uma Visão Cristã dos Homens e do Mundo. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2013, pp. 37–39.

LEITURA RECOMENDADA:
Ceticismo

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Gordon H. Clark
Gordon H. Clark

Written by Gordon H. Clark

Gordon Haddon Clark (1902–1985) foi um teólogo, filósofo e apologista pressuposicional. “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade.” (João 17:17)

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