Os Prazeres da Filosofia
Joshua Butcher

Em um ensaio não publicado “Philosophy as a Hobby” [“A Filosofia como um Hobby”], escrito em 1936, o filósofo Gordon H. Clark descreve o filósofo como alguém “que tenta entender as relações entre quaisquer dois interesses humanos”. Aristóteles, por exemplo, “resumiu de forma sistemática os princípios orientadores de uma era de encerramento”, quando definiu “o Estado como a parceria que inclui todas as parcerias”. Em outras épocas, os filósofos impactam o futuro, como fizeram Hegel e Marx, filósofos que “assumiram princípios que nos séculos posteriores se tornaram poderosas forças diretivas”. De vez em quando, um filósofo pode até afetar ou ser afetado por seus contemporâneos.
Clark então faz uma comparação bem-humorada entre a música como hobby e a filosofia como hobby. A filosofia, diz ele, é preferível porque, enquanto a proficiência musical exige atenção diária para seu desenvolvimento, filósofos com “qualquer grau de facilidade” podem ter suas ideias inconscientemente alimentadas até a maturidade em períodos em que nenhuma filosofia é lida. Além disso, enquanto a confiança de um músico novato pode ser submetida a uma “tortura requintada” diante da perícia demonstrada com facilidade pelos músicos profissionais da orquestra, as comparações mais formidáveis do filósofo estão todas mortas e os vivos “não são, via de regra, tão desanimadoramente formidáveis”.
O ponto principal de Clark, no entanto, é que o estudo das relações que constituem a filosofia é ao mesmo tempo tão envolvente e legítimo quanto qualquer outra arte ou ciência e, “à medida que compreendemos melhor o escopo da filosofia, passamos a ver também que uma o homem nunca decide se vai filosofar ou não; ele decide apenas filosofar bem ou mal. O artista, o historiador, o cientista, é impelido irresistivelmente a considerar a relação de seu campo particular com o próximo”.
Clark emprega a imagem do xadrez para ilustrar seu ponto de vista, de que um estudante reflexivo em qualquer campo que comece a filosofar encontrará algo como o seguinte:
Se ele continua, e, se o vasto campo da filosofia emerge em nitidez, ele se depara com um panorama magnífico, incluindo a harmonia de uma orquestra e a harmonia das esferas. As artes e as ciências tornam-se peões no tabuleiro de xadrez do universo. Bem, chame a música de bispo se isso for mais honroso do que um peão, e a zoologia será um cavaleiro; talvez a economia seja um peão. Mas o todo é um jogo que não escolhemos; jogamo-lo porque temos de jogar e até a resignação é um jogo. É o jogo da existência, da vida e da civilização; nós somos o rei lutando pela nossa compreensão dos fatores do universo, ou seja, por nossa filosofia de evitar um xeque final e um xeque-mate.
O inescapável jogo da vida requer o tipo de pensamento que a filosofia representa e, embora seja tentador ver tal pensamento como uma medida assustadora de labuta, Clark oferece um corretivo:
Se tudo isso parece ser muito sério para um hobby, se está assumindo o aspecto do principal negócio da vida, um filósofo apontaria que fazer uma vida é mais um hobby do que ganhar a vida e que o lazer ordinariamente conectado com hobbies é essencial para o progresso filosófico. Na vida profissional, uma certa quantidade de trabalho deve ser concluída em um determinado tempo ou então não recebemos. Muitas vezes temos pressa para terminar e, quando nosso trabalho ultrapassa os requisitos mínimos, deixamo-lo passar. Em um hobby e na filosofia, não pode haver limites de tempo; nossos pensamentos estão na qualidade do produto e estamos nos esforçando para alcançar a perfeição. O tempo não tem poder sobre nós. Se não compreendermos um determinado fator esta noite, podemos reestudar amanhã; não há pressa. Não somos enganados nem desencorajados pela ilusão de não fazer nenhum progresso. Os quebra-cabeças filosóficos são, a esse respeito, semelhantes a outros quebra-cabeças. Ao resolvê-los, damos muitas falsas partidas, encontramos muitos becos sem saída e experimentamos uma grande dose de perplexidade. Na superfície, isso parece ser um fracasso, mas quando, com uma rapidez muitas vezes surpreendente, a solução correta surge, vemos que nossos fracassos constituíram um progresso real. Na pesquisa científica e na filosofia são exigidos resultados, mas aqueles que fazem tais exigências às vezes não conseguem ver que um resultado negativo não deixa de ser um resultado, que o fracasso, na medida em que pelo menos uma possibilidade é agora eliminada, é um progresso em disfarce. Assim como os resultados negativos da experimentação, também o vazio de nossa mente, o torpor e a aparente vacuidade são mais tarde encontrados entre nossos momentos mais frutíferos. E sem o lazer para cometer erros, sem a liberdade de ignorar os limites do tempo, não se pode esperar muito progresso permanente.
A questão para os educadores clássicos já deve ter emergido com inegável clareza. O esforço filosófico atiça aquele fogo pelo qual o homem é educado na forma de excelência. É o hobby para o qual o trabalho é um meio, proporcionando uma oportunidade de busca; a filosofia é a vida recém-nascida para a qual as dores do parto são uma preparação necessária.
A tarefa de aprendizagem ao longo da vida requer o tipo de quebra-cabeças que não são resolvidos na conclusão de tarefas, no borbulhar de testes ou no polimento de trabalhos ou apresentações. Requer uma orientação para a descoberta que seja tão grata por perceber erros nas tentativas de alguém quanto por encontrar um sucesso; sabendo que o primeiro ajuda o último e o último inevitavelmente levará a novas espécies do primeiro.
Clark conclui com uma comparação final, clássica:
O processo de decifrar uma solução é em si extremamente prazeroso; a descoberta de uma solução eclipsa totalmente os prazeres físicos que satisfazem a tantos. Plutarco, ao elogiar os prazeres intelectuais, compara Epicuro a Arquimedes. Qualquer jantar que Epicuro comia, pergunta ele, era tão agradável que o fazia saltar da mesa, correr pelas ruas e gritar: “Eu comi?”.
Mas quando se luta com um problema por dois anos, cinco anos, dez anos, sem sucesso aparente, e então em uma fração de segundo, a solução chega, seja em uma banheira como com Arquimedes ou, para mencionar a moda contemporânea, enquanto se barbeia, dá uma emoção inigualável e uma satisfação duradoura que retribui generosamente o já delicioso trabalho. A maioria dos nossos prazeres é evanescente, mas uma solução filosófica é uma alegria para sempre.
É verdade que 2015¹ está muito distante de 1936 e as pessoas hoje frequentemente “gritam” nas redes sociais: “Eu comi!”. Infelizmente, as alegrias de tais prazeres sociais escapam de Clark. Mesmo assim, o argumento de Clark lembra os prazeres mais satisfatórios da vida: o prazer da mente, da alma; aquela imagem indestrutível e eterna de Deus através da qual comungamos com Ele no jogo das Verdades Eternas.
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¹ Nota do Tradutor: Ano em que este artigo foi publicado.
— Joshua Butcher. The Pleasures of Philosophy. Disponível em https://circeinstitute.org/blog/blog-pleasures-philosophy/ Acesso em 20/07/2023. Tradução: Luan Tavares.
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