Imaginação
Gordon H. Clark

Ainda mais fundamental para o empirismo que a ideia de causa é a teoria da imaginação. Aristóteles foi o primeiro filósofo a estudar o tema das imagens, e ninguém desde então fez algo muito melhor nesse assunto. Os filósofos podem ter melhorado a teoria entrando em mais detalhes, mas usualmente a enfraqueceram por meio de algumas subtrações. Aristóteles descreveu o desenvolvimento do conhecimento como procedendo primeiro das sensações até as imagens. Depois que a sensação para, como deve acontecer quando giramos nossa cabeça, algo deve permanecer na mente sobre o qual se pode construir um conhecimento mais avançado. A partir dessas imagens, as figuras que a mente reteve e que hoje seriam provavelmente chamadas de imagens de memória, vêm as ideias abstratas. Deve-se notar que para o empirismo as imagens são uma necessidade absoluta, se é o caso de uma pessoa aprender algo sobre natureza, história, matemática ou baseball.
Os pensadores modernos concordam: e devem concordar, se pelo menos admitirem que a mente tem qualquer tipo de proposição antes dela. Talvez a defesa mais clara da imaginação nos tempos modernos seja a de David Hume, que convenientemente faleceu em 1776 para que os norte-americanos pudessem facilmente se lembrar dele.
Em seu Tratado da natureza humana ele começa logo na primeira página a distinguir impressões (sensações) de ideias (imagens de memória). “As percepções que entram com mais força e violência podem ser chamadas de impressões… sensações, paixões e emoções — Denomino ideias as pálidas imagens dessas impressões no pensamento e no raciocínio.”¹ Contudo, elas não se revelam tão pálidas:
Quando fecho os olhos e penso em meu quarto, as ideias que formo são representações exatas das impressões que antes senti… A ideia de vermelho que formamos no escuro e a impressão que atinge nossos olhos à luz do sol diferem somente em grau, não em natureza.²
Hume desafia: “Mas se alguém negar essa semelhança universal, o único meio que vejo de o convencer é pedir-lhe que mostre uma impressão simples que não tenha uma ideia correspondente, ou uma ideia simples que não tenha uma impressão correspondente. Se ele não responder a esse desafio — e com certeza não conseguirá fazê-lo…”.³
Mas certamente Hume pode. A impressão de vermelho que o presente autor tem na iluminação clara não produz nem sequer a mais pálida “ideia” posteriormente. O Anvil Chorus⁴ não deixa nenhum tom representativo depois que as vibrações cessam. Nem qualquer imagem do sabor de bacon permanece após eu tê-lo engolido. As declarações de Hume são simplesmente falsas. Bertrand Russell insistiu mais tarde que quem quer que negasse ter imagens era louco. Bem, então eu sou louco. Mas em seguida encontraremos mais alguns outros distintos internos do hospício. Hume e Russell eram empiristas; mas se eles estão certos ao dizer que devemos confiar na nossa experiência, minha experiência contradiz flagrantemente a deles. Que eles falem de si mesmos, se podem fazê-lo legitimamente, mas sua experiência não lhes dá nenhum conhecimento da minha.
Se nos aproximarmos dos tempos recentes, há três estudiosos que foram quase contemporâneos. Um foi Alfred Binet. Ele morreu em 1911 e foi o maior psicólogo daquela geração. Uma de suas contribuições, em conjunto com Théodore Simon, foi a invenção dos testes de inteligência. A edição de 1928 do seu L’Ame et le Corps [A alma e o corpo] chegou a 12.000 cópias. Em seguida falaremos de dois ingleses, Bertrand Russell (que quase alcançou a imortalidade) e E. B. Titchener (que nunca chegou a obter cidadania inglesa, embora tenha conquistado sua fama por muitos anos em Cornell).
Falemos primeiro de Binet. Ele começou tentando definir sensação: “Sensação é o tertium quid interposto entre o estímulo dos nossos nervos sensitivos e nós mesmos”; ao que ele imediatamente acrescenta que
o agregado das nossas sensações é tudo o que podemos saber sobre o mundo exterior, de tal forma que se pode corretamente definir o último como a coleção das nossas sensações passadas, presentes e possíveis. Não queremos afirmar que o mundo exterior consiste apenas disso, mas contendemos, e com razão, que o mundo exterior é apenas isso para nós. (58)
Nossos apologistas contemporâneos parecem totalmente inconscientes de que não atravessaram o grande golfo que Binet tão claramente aponta.
Há, contudo, algumas expressões perturbadoras na citação, mas primeiro continuemos por uma ou duas linhas.
Sensação é o fenômeno que é produzido e experimentado [éprouver significa experimentar ou sentir, e isso torna a descrição circular] quando um estímulo vem a atuar [ou mesmo agiu] sobre um dos nossos órgãos sensoriais. Assim, o fenômeno é composto de duas partes: uma ação de fora, por algum corpo, sobre a nossa substância nervosa, e o fato então de sentir essa ação. (59)
Claramente, isso é autocontraditório ou circular. Ele primeiro admitiu que o agregado das nossas sensações é tudo o que podemos saber sobre o mundo exterior; e agora, para deixar mais definido, ele “pode corretamente definir o último como a coleção das nossas sensações passadas, presentes e possíveis”. Portanto, se existe de fato algum mundo exterior, nós não temos nenhum conhecimento dele, pois nossas próprias sensações são tudo o que sabemos. Em particular, ninguém pode saber se existem órgãos sensoriais, ou qualquer estímulo, ou qualquer ação sobre os nervos. No entanto, aqui na página 40 ele fala de “perceber um objeto exterior”. Por que ele não percebeu a contradição?
Binet então segue para as imagens. As considerações sobre sensação só foram feitas aqui para mostrar a fraqueza do fundamento sobre o qual Binet constrói. Para ele as imagens são algo colado (coller) às nossas sensações:
Essas imagens nos dão ilusões, nós as tomamos por sensações, de modo a acreditarmos que percebemos o que é apenas uma memória ou ideia. A explicação é que o nosso espírito não pode permanecer inativo na presença de uma sensação; incessantemente ela o altera e o enriquece. Esse enriquecimento é tão constante, tão inevitável que a existência de uma sensação isolada — percebemos sem colar imagens nela, sem modificá-la uma sensação que sem interpretá-la — é virtualmente irreconhecível numa consciência adulta. É um mito. (61)
Que interessante notar que Binet aboliu todas as sensações! Provavelmente ele não sabia que Agostinho havia chegado à mesma conclusão.
Todavia, seu capítulo seguinte examina as imagens: “Após as sensações vêm imagens, ideias, conceitos…” (76). É difícil discutir Binet muito a fundo neste tratado, pois os detalhes de Binet são inúmeros e as posições que ele toma requerem páginas de análise. Por exemplo, ele quer examinar a legitimidade de uma separação entre percepção e ideação (78). A sensação (e, claro, não existe tal coisa; ele disse que era um mito) poderia ser distinguida de uma ideia pela realidade da primeira e a irrealidade da última, embora “a oposição entre elas não tenha o escopo que a maioria das pessoas imagina” (79). Ele acrescenta que aqueles que não foram avisados, ao estudarem o assunto, tomam uma pela outra (81). Essas imagens
formam a maior parte, talvez nove décimos, da percepção… Por causa disso aparecem ilusões sensoriais, que são resultado não de sensações, mas de ideias; e a partir disso, a dificuldade de saber com precisão o que, em determinado caso, é observação ou interpretação e onde o fato percebido termina e a conjectura começa… Como, então, podemos admitir uma separação radical entre sensação e imagem? (81)
Toda essa confusão deveria ser suficiente para demover os apologistas cristãos de suas alucinações empíricas. Se pressiono minhas objeções contra eles com certa veemência (“Cachorros gostam de latir e morder, pois é da sua natureza fazê-lo”: Isaac Watts⁵), também lhes estendo uma considerável simpatia, por indesejada que seja. Se eles leram suficientemente sobre assunto e viram a completa confusão que é isso, serão tolos se se apressarem onde os estudiosos temem pisar. Portanto eles só podem se limitar às incompreensibilidades do senso comum, pois falta uma intelecção consistente.
Apesar de a minha crítica ser dura, o desejo é produzir uma apologética que possa refutar o secularismo. Não há nenhum desejo de isentar os secularistas da culpa pela confusão. Por exemplo, Titchener era sem dúvida um psicólogo distinto. Pode-se com justiça chamá-lo de o pai da psicologia experimental na América do Norte. Ora, ele era tão a favor de imagens que negou sem rodeios a possibilidade do pensamento sem imagem. Usando uma de suas fraseologias, pode-se dizer que o significado é o desenvolvimento sensorial ou imagético do núcleo inicial de uma percepção. Por mais falsa que essa declaração seja, como eu acredito, a ponto é que Titchener palpavelmente se contradiz ao afirmar a realidade do pensamento inconsciente.
Bertrand Russell era outro moderno que, mais brevemente do que Titchener, insistia não apenas na realidade da imaginação em algumas pessoas, mas também na necessidade de imagens em todas as pessoas. Já vimos seu comentário de que quem quer que negasse ter imagens era louco. A falácia de indução do grande lógico vem na próxima seção.
Houve, porém, um estudioso melhor e mais consistente que, se não negava que algumas pessoas têm imagens e pensamento, fez uma clara distinção entre eles. Sobre esse ponto, duvido que alguém tenha feito melhor do que Brand Blanshard, em seu The Nature of Thought [A natureza do pensamento], Vol. 1, capítulos VII e VIII.⁶ Se o leitor permitir, não repetirei seu argumento de forma absolutamente literal, embora a maior parte do fraseado venha a ser dele.
Ele pretende mostrar que ideias não são imagens. Após se referir a Locke, para quem a imagem era uma cópia mais pálida da sensação, Blanshard argumenta que o pensamento muitas vezes se aprimora num homem à medida que sua destreza no imaginário desvanece; e, inversamente, quando a imagem é mais vívida, o pensamento pode ser mais inadequado (260). Para citar apenas um trecho:
O dr. W. H. Rivers se descreve como “uma daquelas pessoas cujo estado de vigília normal é quase livre do imaginário sensorial… [Mas] concluí… que antes dos cinco anos de idade meu imaginário visual era muito mais definido do que se tornaram posteriormente”. O dr. Rivers era assim deficiente em todos os tipos de imaginário; era também… um pensador que tinha certa distinção. Se o pensamento era o imaginário, essas coisas não podiam ser ambas verdadeiras. (261)
Blanshard relata então as descobertas do extraordinariamente brilhante Francis Galton, que descobriu que “cientistas de renome protestaram que o imaginário mental lhes era desconhecido… Eles não tinham mais ideia da verdadeira natureza disso do que um homem daltônico que não percebeu sua deficiência” (260, 261). Blanshard também aponta a tentativa desastrosa de Berkeley em explicar as ideias gerais. Dizer que uma ideia individual, isto é, a imagem de uma única coisa, pode ser tão geral a ponto de representar todas as coisas de uma classe (como a imagem que a rainha Elizabeth tem de Maria da Escócia representando todas as esposas de Henrique VIII além de Florence Nightingale e Cleópatra) é admitir que a ideia geral não pode ser uma imagem. Se estamos cientes de que a imagem individual “representa” algo mais, na verdade admitimos que a imagem e o algo mais não são a mesma coisa.
Blanshard examina então a teoria de relações de Hume. Se o pensamento não é nada além de um imaginário, há dificuldade em supor que vemos a mesma coisa no espaço de alguns minutos. A razão é que ninguém pode ver ou ter uma imagem de identidade. O que acontece é uma rápida sucessão de percepções, como as que obtemos de uma película cinematográfica. Os frames [quadros] individuais, cada um diferente do anterior, passam numa sucessão tão rápida que nos enganamos pensando que um único objeto está se movendo na tela. Assim, experimentamos o movimento, embora nada se mova.
Pulando uma ou duas páginas no livro de Blanshard, chegamos ao ponto interessante de que essa teoria de imaginação destrói a distinção entre sensação e memória, pois o que ela chama de sensação e o que chama de memória consistem do mesmo tipo de imagens. Se achamos que podemos distinguir entre uma sensação atual e as “representações exatas das impressões que antes senti” (Hume), deve haver algum fator além das imagens para tornar essa distinção possível.
Até aqui, as imagens têm sido descritas como figuras de algo visto. Mas esse algo não costuma ser simples. Uma pessoa não vê apenas vermelho; ela também vê um rosto. Clara ninguém jamais vê um rosto, pois o rosto é uma combinação de sensações que incluem outras sensações além das visuais. O rosto humano, ao contrário do Monte Rushmore, é suave, não duro como uma rocha. De uma forma ou de outra, a mente combina várias sensações e faz então um rosto. Ele então se forma uma imagem, uma imagem complexa, pois raramente as sensações e imagens são apenas visuais. Mas se o empirismo requer que todo conhecimento seja desenvolvido através da imaginação, será impossível restringir as imagens a coisas comuns como rostos, árvores, prédios e bolas de baseball. Parecemos também capazes de pensar em relações, como “à esquerda de”, e em relações mais simples designadas ordinariamente por preposições, advérbios e, menos obviamente, por artigos definidos e indefinidos. Qual, então, pode ser primeiro a sensação e então a imagem de de, ou mas, ou incrível? Pois se não podemos ver mas, cheirar de ou provar incrível, não poderemos conhecê-los.
O notável psicólogo Titchener descreve sua ideia de um cavalo como “uma curva dupla e uma postura galopante com um toque de crina sobre ela… Vaca é um retângulo extenso com certa expressão facial, um tipo de beiço exagerado”. Embora essas não sejam as “representações exatas” que Hume afirmou serem, elas podem ter alguma semelhança pálida com os animais, se alguém usar sua imaginação. Mas e quanto às imagens das outras coisas? O próprio Titchener descreveu sua imagem do termo significado como “a ponta azul-cinzenta de uma espécie de colher, que tem um pouco de amarelo acima dela” (Blanshard, 272). Então Titchener acrescentou: “Meu sentimento de mas [é] a figura intermitente de uma cabeça calva com uma franja de cabelo embaixo e um enorme ombro preto, o conjunto passando pelo campo visual de noroeste para o sudeste”.
Mas! Mas sim, qual poderia ser a imagem da raiz quadrada de menos um? Claro, pode-se fotografar o símbolo impresso. Mas será que seu significado é uma colher azul-cinzenta?
Às vezes, estudantes universitários no nível cotidiano mais comum perguntam: “Se você não tem nenhuma imagem, como pode reconhecer qualquer uma no dia em que lhe for pela primeira vez apresentada?”. A resposta é, infelizmente: eu não posso. Após ver uma pessoa cinco ou seis vezes e memorizar umas poucas peculiaridades de Bertillon,⁷ posso às vezes eventualmente reconhecê-la. Mas a menos que a veja dezesseis vezes, costumo esquecer os dados. Embaraçoso, mas é a verdade. Um dos meus hobbies é a pintura a óleo, mas se a tinta na paleta está longe da tela, não posso em muitos casos ver qual é a mais clara e qual é a mais escura. Assim, dou uma pequena pincelada na tela e posso, na maioria das vezes, ver qual é qual. Claro, minhas pinturas são horríveis. Quase tão ruins quanto as do Museu de Arte Moderna de Nova York.
Mas para voltar ao assunto do reconhecimento de pessoas: eu duvido, embora não possa sabê-lo, que até mesmo os empiristas com as imagens mais vívidas imagináveis reconheçam as pessoas por esses meios. Pergunte-lhes: “Se uma pessoa está andando na sua direção, você a vê com os seus olhos, saca a imagem dela da carteira mental que você tem, compara ambas olhando rapidamente para uma e depois para outra e finalmente conclui: Ah, sim, esse é o meu primo Bill Smith?”. De qualquer forma, alguns empiristas admitiram para mim que não é assim que funciona. Vamos mudar de assunto um pouco.
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¹ David Hume, Tratado da natureza humana, 2ª ed. (São Paulo: UNESP, 2009), p. 25.
² Ibid., p. 27.
³ Ibid., p. 27–28.
⁴ Nome inglês para Coro di Zingari (Coral dos ciganos), da ópera de 1853 de Giuseppe Verdi. [N. do T.]
⁵ Há controvérsia sobre a real autoria dessa frase. [N. do T.]
⁶ London: Allen and Unwin, 1939.
⁷ Alphonse Bertillon, criminologista francês que em 1870 fundou o primeiro laboratório de identificação criminal baseada nas medidas do corpo humano. [N. do T.]
— Gordon H. Clark. Senhor Deus da Verdade. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2018, pp. 53–62.