Considerações sobre Epistemologia

Gordon H. Clark

Gordon H. Clark
4 min readJun 25, 2023
“Homem do Conhecimento” (1857) — Janusz Kapusta.

Certo comentador da história da filosofia cunhou a frase “Todo homem nasce platonista ou aristotélico”. Se colocarmos isso em linguagem teológica, “Todo homem nasce agostiniano ou tomista”. A escolha entre esses dois é de fundamental importância, pois determina como um cristão tentará defender sua fé contra todos os adversários. Um artista poderia expressar essa ideia pintando um quadro em que Tomás de Aquino, tendo ao fundo uma arquitetura majestosa, estende suas mãos sobre a Terra enquanto seu companheiro Agostinho ergue suas mãos para o Céu. De qual dessas duas direções opostas vem o conhecimento?

Que a epistemologia — o estudo de como o conhecimento é possível — não é estranha à Bíblia, sendo mesmo fundamental, é algo que pode ser indicado breve e inadequadamente, e de maneira introdutória, por alguns versículos aleatórios. Neste momento nenhuma exegese será tentada: o objetivo imediato é coletar apenas alguns blocos de construção que podem ser usados mais tarde na construção de um magnífico edifício. Em seu Evangelho, João fala de Cristo como “cheio de graça e de verdade” (1.14). Mais tarde ele cita Jesus dizendo “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida”. Em 15.26, refere-se ao “Espírito da verdade”. O Antigo Testamento antecipou esses pronunciamentos. Salmos 31.5 diz: “SENHOR, Deus da verdade”. Salmos 43.3 registra a petição “Envia a tua luz e a tua verdade”.

O conhecimento — ou a verdade — é amiúde chamado metaforicamente de luz. Do que podemos citar um versículo pertinente, cheio de significado: “na tua luz, vemos a luz” (Salmos 36.9). João afirma que “Deus é luz” (1 João 1.5); e no seu Evangelho ele cita Jesus dizendo “Eu sou a luz do mundo” (8.12). O que nos faz lembrar de 1.9, onde Jesus é identificado com “a verdadeira luz, que, vinda ao mundo, ilumina a todo homem”. Este último versículo é de profundo significado para a epistemologia. Esses versículos deveriam alertar todos aqueles que com tanta frequência insistem em dizer que Deus é amor. Ele de fato o é; mas este é precisamente o ponto: se Deus não fosse antes a verdade, ninguém poderia dar crédito a essa outra declaração. A verdade é logicamente anterior ao amor. Assim, as muitas pessoas que pensam que um assunto tão recôndito como a epistemologia — se é que conhecem o termo — tem pouco a ver com o Evangelho são alertadas a tomar cuidado com um ponto cego e exortadas a reafirmar a importância básica da verdade.

A questão é, portanto, a seguinte: como alguém pode conhecer mesmo uma pequena verdade, uma verdade muito menos importante do que Deus é amor? Como o aprendizado é possível? Pode alguém descobrir que Colombo descobriu a América? É possível reconhecer uma árvore? Quem pode determinar se o sal de mesa é cloreto de sódio? Que meios e métodos são necessários para concluir que dois mais dois são quatro, se esse for realmente o caso? Após uma palestra extracurricular para um grupo de universitários, um deles insistiu que poderia facilmente fazer geometria — embora nunca tivesse tido aulas de geometria no ensino médio do seu colégio público incompetente — simplesmente desenhando uma linha no quadro negro. O pobre garoto não sabia que uma linha de giz não é uma linha, mas um objeto tridimensional. É, pelo menos, como um físico chamaria isso. Ipso facto o estudante não sabia o que é uma linha. Ele pensava que podia ver uma; mas todo mundo deveria perceber claramente que ninguém pode ver algo unidimensional. Como, então, pode um aluno sequer aprender geometria? E tampouco pode alguém ver, ouvir ou provar o número dois. Num instante pode ficar evidente que árvores e rochas também são invisíveis. Claro, esta última afirmação parece estranha, incrível e completamente absurda, mas consideremos os argumentos de alguns filósofos que tentaram basear o conhecimento na sensação.

Há pessoas que não estão interessadas no que os antigos filósofos disseram. Elas não estão interessadas em epistemologia. Elas são “práticas”. Muito bem, deixe-as fabricar automóveis. Elas não estão interessadas na verdade e em como podemos obtê-la. Mas se uma pessoa quer defender o cristianismo dos seus inimigos, ela deve reconhecer que seus inimigos mais efetivos não são os fabricantes de automóveis, mas os cientistas e os filósofos. Madalyn Murray O’Hair¹ não é uma grande ameaça. Mas Aristóteles, David Hume e Immanuel Kant são. G. W. F. Hegel, Søren Kierkegaard e talvez Friedrich Nietzsche fizeram mais estragos do que o alto crítico Julius Wellhausen jamais fez. Portanto, uma apologética cristã séria deve prestar atenção nos estrategistas antes de lidar com o problema dos táticos.

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¹ Madalyn Murray O’Hair era advogada e ativista ateísta norte-americana, uma das fundadoras da American Atheists e sua presidente de 1960 a 1986. [N. do T.]

— Gordon H. Clark. Senhor Deus da Verdade. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2018, pp. 13–15. [Da Introdução. Título nosso.]

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Written by Gordon H. Clark

Gordon Haddon Clark (1902–1985) foi um teólogo, filósofo e apologista pressuposicional. “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade.” (João 17:17)

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